(...) Porque chove há três dias; ou talvez porque me bateram no carro de noite e fugiram (glorioso país de cobardes!)
Também pode ser porque vim encontrar
decepadas o que ainda sobrava das árvores da minha infância: as enormes cerejeiras da quinta por detrás do meu prédio.
Não foram sequer cortadas pelos donos da quinta, que estão lá longe na grande cidade (não que isso fizesse grande diferença). Foram serradas por iniciativa de dois vizinhos do meu prédio.
Motivo? Parece que estas
malandras, ao fim de dezenas de anos de existência, foram declaradas culpadas da
bicharada que lhes entrava em casa!...Há gente assim, que encontra algum conforto para a tristeza e o vazio das suas vidas, destruindo e mutilando o que é vivo e inofensivo. Será que por provocar tristeza nos outros nos sentimos menos tristes?
Vou tentar não me esquecer deste pretexto estúpido para juntar a todos os pretextos estúpidos que pretendem justificar os "arboricídios" neste país.
Talvez também esteja deprimido porque até mesmo as tílias que foram plantadas há apenas 20 anos, quando andava no ciclo, foram reduzidas a cabides. Está mais do que visto que na generalidade das cidades portuguesas, os responsáveis pelas árvores percebem tanto do seu ofício quanto eu percebo de poesia japonesa do século XVIII.
Mesmo quando não interferem com a fachada de um prédio; mesmo quando não interferem com a iluminação pública ou qualquer fio eléctrico ou dos telefones; mesmo quando sob elas não se pode estacionar. Ainda assim, há sempre alguém que se sente incomodado pelas árvores.
E porque mesmo no meu antigo ciclo as árvores são tratadas sem o mínimo de respeito e condenadas a uma existência de dignidade nula.
Porque nem mesmo a floração das ameixoeiras-de-jardim consegue transmitir alguma beleza e fazer desviar o olhar do caos urbanístico a que chamamos progresso; porque um dia todas as cidades do país serão uma espécie de Brandoa.
E porque, para onde quer que olhe, assisto não apenas ao degradar da paisagem urbana mas ao imparável avanço do amarelo da "mimosificação" dos nossos espaços naturais. (Haja ao menos um lado positivo neste nevoeiro que ajuda a ocultar parte deste amarelo doentio!)
Esta altura do ano, coincidente com o pico da floração das mimosas, torna bem visível a dimensão do problema em vastas zonas do país, dando bem conta do abandono do nosso mundo rural. Situação que em muito contribui para o avançar deste problema que está a alterar, porventura de forma irreversível, as nossas paisagens naturais, com gravíssimas consequências ambientais e sem que daí advenha nenhum proveito económico para o país.
É por isso que termino, lançando uma pergunta em forma de desabafo: há alguém neste país interessado em defender o que nos resta de paisagem?
Não, não sou um fundamentalista. Aceito que o país necessite de florestas de produção com árvores de crescimento rápido; sei que problemas com espécies invasoras existem em todos os países.
Aceito que as barragens e os parques eólicos são um mal necessário. E estou até disposto a comprar a ideia de que o despovoamento dos centros históricos das cidades à custa do desenvolvimento incontrolável das periferias seja um problema de toda a Europa e não apenas nosso.
Sei até que o problema das podas das árvores ornamentais não é um exclusivo do nosso país.
Mas será que todos os rios têm que ter barragens e todas as serras parques eólicos? Estaria a pedir muito que se fizesse um pouco mais em termos de combate às invasoras? Será que apenas no que resta das Matas da Margaraça, do Solitário ou de Albergaria (e em mais duas ou três excepções) podemos aspirar a ter uma floresta de conservação?
Seria pedir muito, num litoral com perto de 800 km, que se protegessem 100 km de faixa costeira de qualquer empreendimento turístico? Ou que pelo menos se respeitassem as falésias e os cordões dunares?
E que num espaço razoável de tempo, se arranjasse uma forma de impedir que as autarquias continuassem a ser financiadas pelo dinheiro da construção civil?
Será pedir assim tanto que as autarquias portuguesas, às quais nunca faltou dinheiro para fazer uma rotunda, pudessem no futuro vir a ter técnicos credenciados em arboricultura?
Será utópico pedir que se deixem às gerações futuras duas ou três cidade e vilas minimamente conservadas; 5% do litoral, 5% das montanhas; 5% das planícies e um ou dois rios? Que se preservem 100 árvores monumentais.
Será este pedido assim tão irrealista ou fundamentalista?
O que eu não compreendo é a coincidência do facto de estarmos a destruir o que nos resta de paisagem e património natural não estar a fazer de Portugal um país com mais progresso e riqueza. Ou, dito por outras palavras, as zonas mais apetecíveis para o turismo, por exemplo, serem precisamente aquelas que souberam preservar a sua paisagem natural, como o Alentejo e o Douro.
Mas talvez eu esteja enganado e a paisagem não tenha valor ambiental e económico. Ou, mais ainda, talvez isto um dia mude.
Mas hoje não acredito nessa mudança. Pode ser por estar deprimido. Ou, simplesmente, porque continua a chover...