quinta-feira, junho 07, 2007

A insustentável leveza da "estrada verde"

Serra da Estrela (vista a partir da N18 nas imediações da zona industrial do Fundão)

O presidente da Câmara Municipal da Guarda, Joaquim Valente, veio defender, mais uma vez, a construção da dita "estrada verde" entre Videmonte e a Lagoa Comprida. Uma vez que já existe uma ligação entre a cidade da Guarda e Videmonte, este projecto iria na prática ligar de forma directa, a mais alta das cidades ao maciço central da Estrela.


Dito assim, parece um excelente negócio para a Guarda. Melhor, digo eu, seria analisar que tipo de riqueza é criada pelos milhares de automóveis que durante o ano atravessam o centro da Covilhã e de Seia, a caminho desse mesmo maciço central. Perguntem aos respectivos comerciantes que se limitam, todos os dias, a ver passar os carros...Perguntem às gentes de Loriga o que ganharam com a ligação directa à Torre.

E para a Serra da Estrela? Que modelo de turismo é este que pretende continuar a rasgar a montanha com estradas, levando os turistas através do conforto do alcatrão a todo o lado. É este turismo de passagem, que vem à Estrela deixando pouco mais do que monóxido de carbono e lixo, que pretendemos continuar a incentivar? Alguém de boa-fé considera que o que falta são estradas que tragam ainda mais turistas (e lixo) ao planalto da Torre? Será que o problema da Torre não será precisamente o contrário, ou seja, excesso de veículos automóveis?

Mas o
que me leva mesmo aos arames é este conceito de "estrada verde"! Vejamos para Joaquim Valente, o que significa uma estrada verde: "uma estrada nacional, mas com as características de uma «estrada verde», que possibilite, sob o ponto de vista ambiental, descobrir novos lugares". Fantástico!
Mas, já agora, o senhor presidente importava-se de explicar o que significa esta frase tão bonita mas que não diz rigorosamente nada. Esta "estrada verde" seria uma estrada feita de alcatrão biodegradável, que flutuaria sobre as plantas? Seria uma estrada com características únicas, como um sistema de lombas inteligentes que impediriam o atropelamento de animais? Melhor ainda, seria uma estrada capaz de devolver para o interior dos carros, todas as pontas de cigarros e demais lixo que os portugueses se entretêm a atirar pelas janelas?!

Sim, Sr. Presidente, que diabos significa "Sob o ponto de vista ambiental descobrir novos lugares?" Será que essa estrada apenas estaria acessível a automóveis híbridos ou a biodiesel, guiados por ambientalistas fanáticos equipados com binóculos e guias de campo?!...Gente absolutamente civilizada, incapaz de poluir; gente que, pela sua simples presença, contribuiria até para melhorar a Natureza que por lá vive.

Mas há mais! Para o Presidente da Câmara da Guarda, esta "estrada verde" iria "possibilitar o acesso a locais a que neste momento só se chega por caminhos de terra batida". Agora é fácil de entender! Se asfaltarmos uma estrada de terra batida, possibilitando que onde antes circulavam algumas pessoas de BTT ou até de jipe (enfim!), passem a circular milhares de pessoas, passamos então a ter uma estrada verde. Se acrescentarmos umas árvores nas bermas e uns sítios para as pessoas poderem parar a ver a paisagem e, como é hábito nos portugueses, poderem largar todo o tipo de lixo, está o cenário pintado. Verde mais verde não há...Não se esqueçam é de aí colocar também daqueles assadores como os que puseram no Covão d'Ametade.
Correndo o risco de ser demasiado audaz, eu até diria, Sr. Presidente, que o problema estará precisamente em tornar acessível a milhares de pessoas o que pode pode ser descoberto a pé ou por outros meios não poluentes.


Os anos passam, as pessoas fogem para o litoral sem perspectivas de emprego no interior, a Estrela continua a definhar sob milhares de hectares ardidos todos os anos e as toneladas de lixo que este turismo de passagem nos deixa...mas, para os responsáveis políticos, independentemente do município ou da cor política, a solução continua a ser a mesma: mais alcatrão!

O problema da Serra e do turismo é mesmo a falta de estradas...quando se puder andar por todo o lado de carro, os hóteis passarão a estar cheios, bem como os restaurantes e todos os artesãos venderão o seu artesanato. Não mais se limitarão as pessoas a fazer "sku" na Torre e abandonar o saco de plástico. Este turismo actual não permanece mais horas por cá porque há falta de estradas!..Ah, mas com elas, sobretudo com as "verdes" até a Serra ficará mais limpa!

Mais estudos para quê? Alcatrão, meus amigos, é a solução...mas do verde!

4 comentários:

Paúl dos Patudos disse...

Estes presidentes de Câmaras tem uns sonhos megalómanos sobre assuntos para os quais não sabem absolutamente nada.
Aqui no Ribatejo ( Alpiarça) dá-se cabo de tudo o que resta de verde, incluindo o Paúl dos Patudos, onde existem árvores , plantas e animais, que para eles merecem ser extintos.
ISTO È DE LOUCOS!
Ana Paula

ljma disse...

Nem mais, Pedro. Também vou comentar esta notícia um destes dias, e vou dizer mais ou menos o mesmo que tu. Mas só quando me apetecer. Estas coisas deixam-me doente.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Ana,

O problema é que a grande maioria dos autarcas continua a pensar tal como há 30 anos atrás, ou seja, que mais betão e alcatrão são a solução para tudo e sinónimo de desenvolvimento.E é isso que me cansa, os anos passam e não se aprende nada!

José,

Por certo, sentirás algo semelhante ao que eu sinto às vezes...ou seja, que melhor seria até viver na ignorância para não sofrer.
Como penso que já escrevi no "Cântaro", esta questão da construção da dita "estrada verde" pode ser uma das últimas "machadadas" na conservação da Natureza na Serra da Estrela, pois iria trazer milhares de veículos automóveis para o "coração" da mesma.

Penso que o mais perigoso é que se entre numa lógica perigosa e irreversível devido a dois factos:

1º) que se tente fazer crer que como grande parte do percurso já está feito em terra batida, um pouco de alcatrão não viria prejudicar a conservação dos habitats (como se isso não fosse aumentar de forma exponencial o trânsito automóvel!!).

2º) Que a CM Guarda adopte uma forma de pressão sobre o poder central de "chantagem" do género: se a Covilhã, Seia, Gouveia e Manteigas têm acessos (mais ou menos) directos para a zona do maciço central, a Guarda (como capital de distrito) não pode ficar atrás...e depois que se venha com a história de que esta estrada iria aumentar o número de turistas na cidade, logo a economia local, o que iria gerar mais empregos (e agora com o previsível encerramento da Delphi, o Estado pode ficar sensível a este tipo de pressão política de cariz mais populista).

É por isso essencial que se sublinhe o que aqui está em causa e que não se deixe resvalar este assunto para as "guerras" de tipo bairrista.

Paulo disse...

É à conta destas ideias que o país se degrada e fica cada vez mais feio. Nada tenho a acrescentar, o texto diz tudo.