O texto que se segue é da autoria de C. Coutinho, técnico agrícola, e foi retirado do blogue Dias sem Árvores. Penso que, pela sua simplicidade e clareza, pode ajudar a perceber um pouco melhor toda esta problemática das "podas camarárias".
"Algumas notas sobre as árvores ornamentais em meio urbano"
As árvores ornamentais dos jardins, parques e ruas dos aglomerados urbanos são fonte de saúde e beleza. Proporcionam sombra, odores balsâmicos (como as Tílias, por exemplo, quando floridas), repouso para o espírito. Desempenham ainda importantes funções orgânicas, mais ou menos conhecidas de todos, como a produção de oxigénio.
As árvores ornamentais em meio urbano têm ainda grande importância na retenção de poeiras e partículas de poluição, na absorção de ruídos, na retenção de água no solo, na redução do impacto da chuva sobre o solo, ou como abrigos para aves insectívoras e outros pequenos animais, aves e mamíferos.
As árvores de folha caduca desempenham também o papel de reguladores térmicos - cobertas de folhas durante o Verão, filtram os raios solares e amenizam o ambiente; durante o Inverno, deixam passar a luz e o calor do Sol através dos seus ramos despidos, retendo calor no solo e nos edifícios circundantes durante mais tempo.
As árvores, quando plantadas as espécies adequadas, nos locais adequados e bem cuidadas, acabam por contribuir para dar aos parques, jardins, e até pequenos recantos em que se encontram, boa parte da personalidade e do ambiente peculiar desses locais.
Em inúmeras localidades do nosso país, as árvores ornamentais são submetidas pelos serviços camarários, a "podas" sistemáticas e violentas, que as desfiguram e enfraquecem. Deve ressalvar-se, antes de mais, que estas práticas nada têm a ver com poda. A poda, tanto das árvores e arbustos de fruto, como das ornamentais, é uma arte e uma técnica sujeita a princípios sustentados em bases científicas.
Esta mal chamada "poda" visa, pretensamente, dar um ar de "limpeza" e um aspecto "cuidado" às árvores alvo destes maus tratos.
A "poda camarária" - uma espécie de "vandalização institucional" dos arvoredos do domínio público - é feita normalmente com serrotes de grandes dimensões, quando não à moto-serra, apropriados para decepar os ramos mais grossos das árvores. Nenhum argumento técnico, muito menos estético, pode justificar este massacre anual dos arvoredos públicos.
A "poda camarária" é apenas um mau hábito, rotineiro e como todos os hábitos deste tipo, não tem nenhuma explicação.
Estas chamadas "podas" arruínam as árvores. O corte da maior parte da copa, como é habitual fazer-se, priva a árvore das suas reservas nutritivas, acumuladas no Verão anterior, e que lhe permitiriam iniciar novo período vegetativo na Primavera seguinte. As árvores "podadas" rebentam mais tarde que as não “podadas”, com muita dificuldade e produzindo ramos enfezados e deformados.
Outro efeito pernicioso desta "poda" é a morte de parte das raízes que levam a água e os nutrientes minerais para os ramos decepados e deles recebiam, por sua vez, açúcares elaborados pelas folhas. Em consequência, reduz-se a base de sustentação da árvore, que pode cair mais facilmente, sobretudo durante os temporais.
Pelos cortes extensos abertos por esta lamentável prática, entram inúmeros fungos causadores de doenças da madeira, que acabam por enfraquecer e até matar as árvores.
As câmaras municipais, e outras entidades, plantam mal e de modo inadequado, poucas árvores e pouco diversificadas: tílias, plátanos, choupos e ficam-se quase por aí. Como são árvores de grande porte, não são ajustadas a todos os locais; ou seja, quando as plantam em sítios onde elas, ao crescerem, vêm a não caber, passam depois a vida a cortá-las, a fazer a tal "poda", na tentativa vã de remediarem o erro original de plantação.
No entanto, mesmo as árvores plantadas em locais amplos e abertos, onde se poderiam desenvolver à vontade, são objecto do mesmo mau trato.Por outro lado, deita-se abaixo com a maior das facilidades, esquecendo que o que se corta em poucos minutos, levou dezenas de anos, quando não séculos, a criar.
No fundo, as autarquias gastam dinheiro a plantar árvores para depois as irem matando lentamente, pela prática de uma "poda" isenta de quaisquer regras técnicas e objectivos racionais.
Em face deste panorama, que sentido podem ter as declarações de boas intenções quanto à educação ambiental, o "Dia da Árvore", os belos folhetos sobre o ambiente e todo o discurso "ambientalista" que está na moda (porque dá votos?).
Apesar do que acima fica dito, são de ressalvar e saudar as excepções do costume, entre as quais podemos incluir, dum modo geral, a Câmara do Porto. Esta tem vindo, desde há uns 10 ou 15 anos, pelo menos, uma atitude mais racional e deixou de praticar estas tais "podas". Se estas chamadas "podas" são lamentáveis e condenáveis quando feitas pelas autarquias, muito mais o são quando feitas nos espaços de recreio dos estabelecimentos de ensino. Estas situações são vulgares - demasiado - e extremamente perniciosas por aí, aos danos infligidos ao arvoredo, acrescer o impacto deseducativo que têm junto das crianças e jovens que frequentam a escola.
Como, no entanto, não deixo de ter uma inabalável confiança na capacidade humana para reflectir e para corrigir os erros, gostaria de acrescentar à crítica a sugestão de algumas medidas que poderiam ser tomadas para melhorar esta situação:
- Plantar espécies de pequeno, médio ou grande porte, adequadas a cada situação e cada local;
- Diversificar as espécies dos nossos jardins e ruas, utilizando árvores e arbustos, sobretudo da nossa flora nacional e local, melhor adaptadas ao meio;
- Plantar "árvores de fruto", como nogueiras, castanheiros ou até variedades regionais de laranjeira, por exemplo;
- Acabar de vez com a chamada "poda"; o tempo e o trabalho das pessoas empregues nestas práticas pode ser utilizado com maior proveito na plantação de novas árvores e no tratamento adequado das que já existem;
- Respeitar a forma natural das árvores, dada pela Natureza em milhões de anos de evolução e selecção naturais. Para isto, é necessário plantar árvores sãs e sem cortes na sua copa original, (sobretudo sem o habitual atarraque do eixo da árvore, que os nossos "jardineiros" tanto gostam de fazer) e deixá-las crescer, cuidando apenas de as alimentar e amparar, sobretudo enquanto jovens.
Qualquer intervenção de corte, deverá ser feita de preferência no Verão, período em que a árvore está em plena actividade, as feridas abertas pelos instrumentos de corte cicatrizam com relativa facilidade e são menores os riscos de infecção das feridas por fungos. No entanto, estas operações devem limitar-se à retirada de ramos secos ou tocos de ramos quebrados por qualquer acidente, pernadas que eventualmente possam tocar em fios eléctricos ou noutras situações a definir criteriosamente;
- Promover a educação ambiental e o respeito pela árvore, ser vivo complexo e admirável, que não temos nenhum direito de destruir. Lembro, por exemplo, que um dos objectivos traçados pelo Ministério da Educação para o ensino básico é a educação ambiental. Como poderemos promover a educação ambiental, tendo em conta o apoio que a comunidade deve dar à Escola, se continuamos a dar este tratamento às poucas árvores que existem nas nossas vilas e cidades e este mau exemplo? Por outro lado, é preciso sensibilizar também os mais velhos, sabendo-se que muita gente, por ignorância, embirra com as árvores, e chegam a fazer pedidos ridículos às autarquias, no sentido de as “podar“, deitar abaixo, "porque as folhas, flores e frutos que caem sujam", etc.
Apelo aqui também à constituição e reforço de movimentos de opinião, mesmo informais, que possam intervir activamente na educação para o respeito pela árvore e pela natureza no seu conjunto.
"Algumas notas sobre as árvores ornamentais em meio urbano"
As árvores ornamentais dos jardins, parques e ruas dos aglomerados urbanos são fonte de saúde e beleza. Proporcionam sombra, odores balsâmicos (como as Tílias, por exemplo, quando floridas), repouso para o espírito. Desempenham ainda importantes funções orgânicas, mais ou menos conhecidas de todos, como a produção de oxigénio.
As árvores ornamentais em meio urbano têm ainda grande importância na retenção de poeiras e partículas de poluição, na absorção de ruídos, na retenção de água no solo, na redução do impacto da chuva sobre o solo, ou como abrigos para aves insectívoras e outros pequenos animais, aves e mamíferos.
As árvores de folha caduca desempenham também o papel de reguladores térmicos - cobertas de folhas durante o Verão, filtram os raios solares e amenizam o ambiente; durante o Inverno, deixam passar a luz e o calor do Sol através dos seus ramos despidos, retendo calor no solo e nos edifícios circundantes durante mais tempo.
As árvores, quando plantadas as espécies adequadas, nos locais adequados e bem cuidadas, acabam por contribuir para dar aos parques, jardins, e até pequenos recantos em que se encontram, boa parte da personalidade e do ambiente peculiar desses locais.
Em inúmeras localidades do nosso país, as árvores ornamentais são submetidas pelos serviços camarários, a "podas" sistemáticas e violentas, que as desfiguram e enfraquecem. Deve ressalvar-se, antes de mais, que estas práticas nada têm a ver com poda. A poda, tanto das árvores e arbustos de fruto, como das ornamentais, é uma arte e uma técnica sujeita a princípios sustentados em bases científicas.
Esta mal chamada "poda" visa, pretensamente, dar um ar de "limpeza" e um aspecto "cuidado" às árvores alvo destes maus tratos.
A "poda camarária" - uma espécie de "vandalização institucional" dos arvoredos do domínio público - é feita normalmente com serrotes de grandes dimensões, quando não à moto-serra, apropriados para decepar os ramos mais grossos das árvores. Nenhum argumento técnico, muito menos estético, pode justificar este massacre anual dos arvoredos públicos.
A "poda camarária" é apenas um mau hábito, rotineiro e como todos os hábitos deste tipo, não tem nenhuma explicação.
Estas chamadas "podas" arruínam as árvores. O corte da maior parte da copa, como é habitual fazer-se, priva a árvore das suas reservas nutritivas, acumuladas no Verão anterior, e que lhe permitiriam iniciar novo período vegetativo na Primavera seguinte. As árvores "podadas" rebentam mais tarde que as não “podadas”, com muita dificuldade e produzindo ramos enfezados e deformados.
Outro efeito pernicioso desta "poda" é a morte de parte das raízes que levam a água e os nutrientes minerais para os ramos decepados e deles recebiam, por sua vez, açúcares elaborados pelas folhas. Em consequência, reduz-se a base de sustentação da árvore, que pode cair mais facilmente, sobretudo durante os temporais.
Pelos cortes extensos abertos por esta lamentável prática, entram inúmeros fungos causadores de doenças da madeira, que acabam por enfraquecer e até matar as árvores.
As câmaras municipais, e outras entidades, plantam mal e de modo inadequado, poucas árvores e pouco diversificadas: tílias, plátanos, choupos e ficam-se quase por aí. Como são árvores de grande porte, não são ajustadas a todos os locais; ou seja, quando as plantam em sítios onde elas, ao crescerem, vêm a não caber, passam depois a vida a cortá-las, a fazer a tal "poda", na tentativa vã de remediarem o erro original de plantação.
No entanto, mesmo as árvores plantadas em locais amplos e abertos, onde se poderiam desenvolver à vontade, são objecto do mesmo mau trato.Por outro lado, deita-se abaixo com a maior das facilidades, esquecendo que o que se corta em poucos minutos, levou dezenas de anos, quando não séculos, a criar.
No fundo, as autarquias gastam dinheiro a plantar árvores para depois as irem matando lentamente, pela prática de uma "poda" isenta de quaisquer regras técnicas e objectivos racionais.
Em face deste panorama, que sentido podem ter as declarações de boas intenções quanto à educação ambiental, o "Dia da Árvore", os belos folhetos sobre o ambiente e todo o discurso "ambientalista" que está na moda (porque dá votos?).
Apesar do que acima fica dito, são de ressalvar e saudar as excepções do costume, entre as quais podemos incluir, dum modo geral, a Câmara do Porto. Esta tem vindo, desde há uns 10 ou 15 anos, pelo menos, uma atitude mais racional e deixou de praticar estas tais "podas". Se estas chamadas "podas" são lamentáveis e condenáveis quando feitas pelas autarquias, muito mais o são quando feitas nos espaços de recreio dos estabelecimentos de ensino. Estas situações são vulgares - demasiado - e extremamente perniciosas por aí, aos danos infligidos ao arvoredo, acrescer o impacto deseducativo que têm junto das crianças e jovens que frequentam a escola.
Como, no entanto, não deixo de ter uma inabalável confiança na capacidade humana para reflectir e para corrigir os erros, gostaria de acrescentar à crítica a sugestão de algumas medidas que poderiam ser tomadas para melhorar esta situação:
- Plantar espécies de pequeno, médio ou grande porte, adequadas a cada situação e cada local;
- Diversificar as espécies dos nossos jardins e ruas, utilizando árvores e arbustos, sobretudo da nossa flora nacional e local, melhor adaptadas ao meio;
- Plantar "árvores de fruto", como nogueiras, castanheiros ou até variedades regionais de laranjeira, por exemplo;
- Acabar de vez com a chamada "poda"; o tempo e o trabalho das pessoas empregues nestas práticas pode ser utilizado com maior proveito na plantação de novas árvores e no tratamento adequado das que já existem;
- Respeitar a forma natural das árvores, dada pela Natureza em milhões de anos de evolução e selecção naturais. Para isto, é necessário plantar árvores sãs e sem cortes na sua copa original, (sobretudo sem o habitual atarraque do eixo da árvore, que os nossos "jardineiros" tanto gostam de fazer) e deixá-las crescer, cuidando apenas de as alimentar e amparar, sobretudo enquanto jovens.
Qualquer intervenção de corte, deverá ser feita de preferência no Verão, período em que a árvore está em plena actividade, as feridas abertas pelos instrumentos de corte cicatrizam com relativa facilidade e são menores os riscos de infecção das feridas por fungos. No entanto, estas operações devem limitar-se à retirada de ramos secos ou tocos de ramos quebrados por qualquer acidente, pernadas que eventualmente possam tocar em fios eléctricos ou noutras situações a definir criteriosamente;
- Promover a educação ambiental e o respeito pela árvore, ser vivo complexo e admirável, que não temos nenhum direito de destruir. Lembro, por exemplo, que um dos objectivos traçados pelo Ministério da Educação para o ensino básico é a educação ambiental. Como poderemos promover a educação ambiental, tendo em conta o apoio que a comunidade deve dar à Escola, se continuamos a dar este tratamento às poucas árvores que existem nas nossas vilas e cidades e este mau exemplo? Por outro lado, é preciso sensibilizar também os mais velhos, sabendo-se que muita gente, por ignorância, embirra com as árvores, e chegam a fazer pedidos ridículos às autarquias, no sentido de as “podar“, deitar abaixo, "porque as folhas, flores e frutos que caem sujam", etc.
Apelo aqui também à constituição e reforço de movimentos de opinião, mesmo informais, que possam intervir activamente na educação para o respeito pela árvore e pela natureza no seu conjunto.
Aos interessados pelo tema, sugiro, por fim, a leitura de dois livros excelentes, ambos actualmente disponíveis nas livrarias:
- A Árvore em Portugal de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro-Telles, Editora Assírio & Alvim, 1999 (um livro excelente e muito esclarecedor, cuja primeira edição data de há 40 anos).
- A Árvore em Portugal de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro-Telles, Editora Assírio & Alvim, 1999 (um livro excelente e muito esclarecedor, cuja primeira edição data de há 40 anos).
- A Poda das Árvores Ornamentais, FAPAS - Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens , Porto.
C. Coutinho (Técnico Agrícola)
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