terça-feira, março 04, 2008

Árvores no espaço público

"Normalmente, associa-se a Árvore da Sabedoria, cujos frutos vencem o olvido e a ignorância, à aprendizagem e à medição do tempo natural e efémero da vida; analogia que não esconde o desempenho das árvores na fecundidade e no equilíbrio dos ecossistemas. É, aliás, comum considerar as árvores na inferição do génio dos lugares, pois elas bebem do passado. Dada a sua longevidade, conhecem várias gerações e inscrevem nos seus anéis a memória dos tempos idos, pelo que nalgumas culturas são consideradas sagradas. Contudo, apesar de garantirem a vida na Terra, não estão livres do maior perigo: a estupidez humana.
Sob o pretexto da "poda" (limpeza e manutenção), as árvores de grande porte da região têm vindo a ser objectivamente degoladas: a sublime alameda de plátanos de Unhais da Serra foi derrubada; a tília centenária do Rodrigo jamais recuperará o aspecto frondoso que lhe conhecemos; os plátanos da estrada Tortosendo-Covilhã-Canhoso deixaram definitivamente de ofuscar as vivendas de tipo socrático. Mais inquietante que a extensa lista de exemplos, é a falta de escrúpulo com que se continua a dispor do património arbóreo colectivo, mutilando barbaramente o que demora décadas ou séculos a crescer. Os cotos que sobram da monda representam o que de mais vil há no homem.
Dando-nos sombra, lenha e fruto, mesmo em meio urbano, as árvores não se ficam pela função decorativa. A arborização coadjuva as mais racionais directrizes urbanísticas e arquitectónicas e, mesmo quando as não há, logra qualificar os sítios, aumentar a higroscopicidade e a estabilidade dos solos, absorver o ruído automóvel, purificar o ar, conter o vento, etc. Donde, não podermos continuar a resumir os "espaços verdes" aos canteiros residuais dos loteamentos, relvados das rotundas e floreiras dependuradas nos separadores das vias. Há que evoluir dos "jardins zen" (empedrados) para corredores verdes que assegurem a continuidade do coberto vegetal e convidem as pessoas a andar a pé até às áreas naturais envolventes. A integração das árvores no espaço público é, pois, necessária para o conforto e a qualidade de vida, como contraponto da paisagem artificial, aliando as culturas urbana e rural. Na cidade, como no campo, há árvores que fazem lugares. Não entender isto, é não entender nada.
Nalguns países, as estradas adequam-se às árvores preexistentes e, em caso de necessidade, transladam-se ou convocam-se referendos para apurar a vontade popular acerca do destino a dar a espécimes centenários. No pós-guerra, até os alemães plantaram árvores da mesma espécie nos espaços reconstruídos, essencialmente por razões afectivas e humanistas. Em França, o património arbóreo é considerado a par do arquitectónico. Se na Beira algumas árvores notáveis ainda enchem de orgulho as populações, porque não se inquietam as pessoas quando as vêem arder ou tombar em nome do "progresso"? Por que motivo os planos municipais de ordenamento do território, que supostamente servem para cuidar do bem comum, ignoram a paisagem?
Quando o desrespeito pelo ambiente e a violência de medidas administrativas gratuitas excede o habitual, dividimo-nos entre a tristeza e a repulsa. Infelizmente, na sociedade portuguesa vulgariza-se a tolerância para com estas atitudes insensatas e despóticas, seja pelo temor de represálias ou por simples indolência; "apagada e vil tristeza" que tolhe o avanço para um qualquer futuro não hipotecado. Ainda assim, as árvores, na sua beleza vertical, merecem o melhor da nossa sensibilidade e inteligência.

Nota: Para perceber a motivação do que acabo de expor, v. http://sombra-verde.blogspot.com, http://ocantarozangado.blogspot.com e http://dias-com-arvores.blogspot.com"

Artigo publicado pelo arquitecto Francisco Paiva na última edição d' O Interior.

7 comentários:

ljma disse...

Ao excelente nível a que nos habituou o Francisco Paiva. Parabéns a ele (e obrigado).

teresa g. disse...

Esperemos que muita gente o leia!

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

E mais uma demonstração de como a "arquitectura" também "pensa" as árvores.

Júlia Galego disse...

O que se pode fazer para contrariar a praga das podas? Parece que as razões para o não fazer deparam com um autêntico muro autista por parte de autarquias e também de particulares.
Viu o que coloquei no gambozino?

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Júlia,

Penso que se deverá avançar para uma "plataforma" de luta activa contra estas práticas. Após a Páscoa talvez lhe possa contar novidades acerca deste assunto. Contamos consigo!...

P.s.- O artigo no "Gambozino" está excelente e irei divulgá-lo aqui. Um abraço.

a d´almeida nunes disse...

Está visto que os serviços autárquicos andam um tanto/muito desorientados. Ou será que convém fazer e desfazer, num ciclo vicioso, a justificar a execução de orçamentos quiçá preparados a preceito?
Nota-se à vista desarmada e sem se ser um especialista, que se andam a plantar árvores só porque a moda/alterações climáticas assim justifica para "inglês ver".
Há que planear as plantações de árvores...onde está a dúvida?
Em Leiria, por exemplo também anda por aqui uma desgraça, que até aflige.
Têm-se plantado bastantes árvores sem dúvida. Mas...as escolhas foram as mais adequadas tendo em conta os locais onde irão crescer?
Entre outros exemplos temos o caso da Av. Sá Carneiro onde se plantaram grevilleas e ameixoeiras de jardim numa extensão de um km ou mais, no separador central. Acontece que este separador é minúsculo. Resultado: os ramos das grevílleas já estão a ser raspados pelas viaturas mais altas; o espaço do separador não tarda não é suficiente para os troncos. Mais ano menos ano lá teremos mais um corte!...
Valha-nos Deus!
Um abraço
António

a d´almeida nunes disse...

Com a v/ permissão vou transcrever partes deste artigo (excelente e que deve ser estudado pelos "entendidos") no meu blogue.
Claro que farei o lik para este post.
É tempo de alertar a malta. Infelizmente a dita malta anda também demasiado absorta nos seus pensamentos e necessidades mercantilistas!... Mas é tempo de acordar! Para que queremos ser RIIIIIIICOS sem ambiente que nos proporcione condições de vida naturais?
António