terça-feira, março 25, 2008

Retratos do Portugal que odeia as árvores (IX)

Monte Crasto (Gondomar) - Março de 2008 (Fotografias de Paulo Moura)

O Paulo Araújo do Dias com Árvores solicitou-me a publicitação de um caso que lhe chegou via e-mail por parte de Paulo Moura, técnico de arboricultura.

Trata-se de um verdadeiro massacre de dezenas de árvores, perpetrado em vésperas do Dia da Árvore, no Monte Crasto em Gondomar. O horrendo espectáculo pode ser contemplado nesta página do Picasa.

Aparentemente, e tanto quanto o referido cidadão conseguiu apurar, a responsabilidade directa não será da autarquia local, no sentido em que esta não terá sido a mandante deste "arboricídio". No entanto, e dada a responsabilidade que as autarquias têm na preservação do património colectivo, esta terá sido, no mínimo, omissa no cumprimento das suas obrigações de zelar pelo respeito das leis que salvaguardam o dito património.

O espectáculo é absolutamente degradante e confesso que tive dificuldade em observar a apresentação de fotografias na sua totalidade.
Acresce que, tal como o Paulo Moura refere no e-mail que escreveu, não se vislumbra aqui nenhum motivo* que justifique esta barbaridade, excepto o facto das mesmas estarem a tapar as "vistas" de algumas casas. O que, como se sabe, é um dos maiores crimes que uma árvore pode cometer e motivo mais do que suficiente para a decepar.

(* não que existisse algum motivo que pudesse justificar este crime!)


Sim, caríssimos mandantes deste "arboricídio", quais foram os motivos para esta acção? Estariam as árvores a interferir com alguma casa? Com algum fio dos telefones, com cabos de electricidade ou com algum poste de iluminação pública? Existiriam lugares de estacionamento sob as suas copas e condutores furiosos por verem as suas viaturas sujas com o maldito "cocó" dos pássaros?

Não...já sei! Estas árvores, todas elas, estavam em risco de cair! Claro, como não me lembrei disso...Já agora, não se importavam de mostrar os relatórios técnicos que comprovam esse diagnóstico? Acompanhados, obviamente, do diagnóstico que demonstra que não existe perigo relativamente às árvores que fizeram o favor de não decepar. E, como sou um tipo desconfiado, poderiam anexar as vossas credenciais técnicas em arboricultura, entenda-se na manutenção de árvores ornamentais (?)

Monte Crasto (Gondomar) - Dezembro de 2005 (Fotografias de Paulo Moura)

O Paulo Moura lembra ainda que este não é um caso inédito e que em Dezembro de 2005 já tinha denunciado a poda de um sobreiro no mesmo local (ver apresentação aqui). Esta denúncia foi feita junto de várias autoridades, incluindo junto da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, visto tratar-se de uma espécie protegida. Estes serviços terão autorizado a referida acção porque, pasme-se, lhes foi garantido que iria ser deixado um "toco" mas que a mesma não seria cortada!

Vamos lá ver então se percebi: qualquer pessoa, mesmo sem habilitação técnica para tal, pode podar uma espécie protegida, como o sobreiro ou a azinheira, ou mesmo uma árvore classificada de interesse público, desde que se comprometa a deixar pelo menos um "toco"?

Este é o estado da nação...

12 comentários:

Paulo disse...

Eles ainda hão-de conseguir que Portugal seja um país só de "tocos". Para quê árvores? Os tocos sempre servem para amarrar alguma coisa.

Verifiquei há dias que o átrio da escola da minha infância, em Alcoentre, tem as quatro amoreiras podadas. Deixaram-lhes uns espetinhos no ar. Quando era pequeno ia lá apanhar folhas para os bichos-da-seda.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Paulo,

Compreendo bem os teus sentimentos, aconteceu o mesmo há uns anos com as tílias da minha antiga escola primária. Eram árvores enormes, com dezenas de anos, que foram transformadas em tocos inúteis (tão inúteis que no pátio da escola tiveram que instalar uma rede para dar sombra!)

Lamento pelas crianças de hoje que não podem ter o privilégio (porque no nosso país é de um privilégio que se trata) de brincar sob "árvores a sério" como nós tivemos no passado.

E esse é o meu único consolo; podem-me roubar tudo, menos a recordação das batalhas de neve sob a copa despida daquelas enormes tílias.

Maria Lua disse...

Pedro,

nem tenho coragem de fotografar o que a C.M.Loures anda a fazer a quase todas as árvores que estão sob a sua alçada... Já vi muita coisas, a sério, mas nunca, nunca pinheiros podados... Só mesmo vendo o que fizeram à fila de pinheiros em frente ao C.Comercial Flamingos... eram pinheiros altos, esguios (não redondos como o manso) e cortaram o tronco ao meio! Não são só os plátanos e amoreiras, as podas estão a ser feitas a todo o tipo de árvores! Só tenho vontade de podar também a cabeça ou cabeças dos responsáveis do departamento de Ambiente que mandam fazer isto! Grandes FDP!!!!
Lá vou mandar mais uns mails com textos sobre podas e o link para o site da CMCascais que não autoriza podas, na esperança que exista por lá algum iluminado que queira explorar o assunto e mudar o sistema... Assim está difícil de acreditar que o país vai melhorar...
Obrigado e desculpa o desabafo.

Paulo Araújo disse...

A ignorância é muita e está muito espalhada. Gondomar, que de facto deitou ao lixo o seu melhor espaço verde, não tem salvação possível. A única saída é completar o serviço: deitar abaixo os tocos que ficaram de pé (que já não são árvores nem nunca voltarão a sê-lo) e plantar novas árvores. Daqui a cinquenta anos, se a Confraria o permitir, Gondomar terá recuperado o Monte Crasto tal como ele era antes do desastre.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Ao Paulo Araújo,

Concordo contigo. Agora é acabar o crime e plantar novas árvores. Omiti os passos intermédios, ou seja, apurar responsabilidades e punir os criminosos, pois sabemos que isso jamais acontecerá em Portugal.
Hoje voltei a ler um texto do saudoso engenheiro Joaquim Natividade que a Manuela Ramos me enviou há tempos (e que penso que vocês publicaram) e cheguei à conclusão que este diz tudo; e o que me dói, mais do que tudo, foi que apesar dos seus ensinamentos e de outros, como os do Gonçalo Ribeiro-Telles ou do Jorge Paiva, não só não se progrediu como continuamos a regredir...
É exasperante e dá vontade de desistir!

À Maria,

Eu sei que custa...e a mim, muitas vezes, também me apetece desistir. À Câmara da Covilhã já nem escrevo pois estou farto do silêncio que, mais do que tudo, é um sinal de falta de educação e de respeito para com os munícipes.
Mas, por vezes, também há surpresas agradáveis. Há tempos recebi uma resposta encorajadora por parte da CM de Faro, por exemplo.

Este caso da página na internet da CM de Cascais, apesar de a referência à poda das árvores de fruto não ser muito "feliz" e de não saber se a "teoria" corresponde à "prática", pelo menos dá-me alguma esperança.

Claro que depois temos outros casos que nos desanimam, como este de Gondomar ou outro na Lousã que vou denunciar brevemente. Se te decidires a tirar as fotos e a publicá-las, irei fazer "publicidade" às mesmas aqui na "Sombra...". Se não as quiseres publicar, já sabes que não terei problemas em publicar um "par" delas aqui na "Sombra..." e em "puxar as orelhas" à CM de Loures.
Força com essas cartas e e-mails. Vou-te mandar por e-mail alguns textos que poderás usar nas tuas missivas.

Um abraço

António Erre disse...

É horrível. Andamos apavorados, aqueles que ainda têm respeito e dignificam as árvores. Pobres árvores! Por causa de uma tendência higienista, asséptica, mininal, a natureza tem de converter-se num simulacro de ordem e de contenção. Para que não suje, para que não estrague, para que não importune...
Isto passa-se em outros países europeus também!
Temos de fazer alguma coisa. Urgente

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro António,

De facto, temos que ser justos pelo menos nesse aspecto. O problema deste tipo de podas não é exclusivo nacional; conheço várias zonas de Espanha e a situação por lá não é muito melhor.

Tenho ideia diferente dos EUA e da Europa do Norte; por experiência própria, posso-lhe dizer que já estive na Irlanda e por lá não se verificam situações deste tipo; o que não significa que não possa existir, pontualmente, uma árvore mal podada; no entanto, por lá existe a distinção entre uma "árvore de produção" (de fruta, de vimes, etc) e uma "árvore ornamental".

A meu ver, no noso país, este é um problema de difícil resolução pois resulta de uma profunda falta de cultura cívica.
A maior parte das pessoas "embirra" com as árvores porque lhes tapam as "vistas", porque as folhas entopem as sarjetas, porque os pássaros fazem muito barulho ou cocó nos carros, porque as árvores provocam alergias ou porque, pura e simplesmente, têm medo que estas lhes tombem sobre o carro ou sobre a casa.
E depois, mesmo os que afirmam gostar das árvores, acreditam na "boa-fé" destas podas, ou seja, que as mesmas são necessárias e até são benéficas para as árvores.

As câmaras sabem disto e sabem que este tipo de práticas lhes dão muitos votos, porque para uma larguíssima maioria das pessoas elas estão a fazer um excelente trabalho: a impedir que caiam sobre as pessoas e a ajudar as próprias árvores a "rebentar com mais força".

EStes mitos estão de tal modo entranhados na cultura nacional que levará gerações a mudar mentalidades.

Acresce que o nosso país tem tantos problemas ambientais, que as próprias associações ambientalistas não costumam dar prioridade a estes casos.

Resta-nos não desistir, continuar a denunciar, a enviar cartas e e-mails para as câmaras e juntas de freguesia e a apostar nos mais novos, na esperança de termos no futuro gerações com maior respeito para com as árvores.

António Erre disse...

Na Bélgica também se passa o mesmo. As pobres árvores, em meio urbano, são reduzidas a tocos. Tenho conhecimento.
Há a desculpa das alergias! É um facto. E a poluição? E os carros particulares? As pessoas alérgicas esquecem-se frequentemente de não se agredirem a elas mesmas, reduzindo ou deixando de emitir dióxido de carbono.
Por outro lado, acredite que, frequentemente, deparo com uma paranóia colectiva que consiste em acreditar que através das árvores os ladrões acederão às casas pelas varandas!!
Cumpts
António

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

António,

Lamento que a situação na Bélgica não seja melhor.

Uma outra coisa que tenho aprendido é que não existe um limite quanto aos motivos para mandar decepar uma árvore. Sendo que grande parte desses pretensos motivos poderiam ser evitados na hora de se fazer a plantação (lá dizia o Gonçalo Ribeiro-Telles, se não há espaço para a árvore plante-se o arbusto e se não há lugar para o arbusto plante-se a flor).

A questão das alergias é surreal; apetece perguntar porque é que se sofre mais de alergias nas grandes cidades do que no campo onde há árvores por todo o lado!
As pessoas esquecem-se que a poluição e o tabaco, e até um certo abuso na higiene das crianças que as impedem de desenvolver convenientemente o respectivo sistema imunitário, estão na base da grande maioria dos problemas respiratórios.
Claro que o pólen das plantas, incluindo as árvores, pode provocar alergias; mas iremos arrancar todas as árvores das cidades? É que a poda não as impede de florir!!
A grande maioria das alergias são provocadas pelas herbáceas (nas quais se incluem os cereais, como a cevada ou o centeio) que estão por todo o lado.

A história dos assaltos é ainda mais surreal. Penso que foi num documentário do Michael Moore onde ele mostrou que numa cidade do Canadá (Montreal ??) as pessoas nem trancam as portas, porque sabem que nada impede um ladrão de lhes entrar em casa (se esse for o seu intuito). Como se estes precisassem das árvores para assaltar casas!...

Temos muita mentalidade para mudar.

Cumprimentos

Texu disse...

Sento profundamente o trato que lhe dão em algumas zonas de Portugal às árvores. Há que continuar com a denúncia através de meios como os blogs.Felicitações pela página.Uma saudação,
Ana

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Ana,

Obrigado. Força na defesa desses teixos (tejos) do Norte de Espanha.

Um abraço

josnumar disse...

Olá,Pedro!
Hoje no JN o arborista Paulo Moura é notícia. A defesa das árvores custou-lhe alguns arranhões e queixa na PSP. O "David" para defender a árvore ameaçada apedrejou a máquina "Golias" e agora, para além das dores que tem, não sabe o que vai acontecer ao antigo carvalho. Já visitei o blog do Paulo Moura, mas não tem notícias acerca do assunto.
Felizmente ainda temos pessoas que gostam, defendem e acarinham as árvores do nosso planeta.