No seguimento deste texto, escrito a propósito da inacreditável decisão que permitiu que um passeio de todo-o-terreno se desenrolasse nas pistas de esqui da Torre (Reserva Biogenética do Conselho da Europa), surge a necessidade de novo desabafo!...
A edição de hoje do jornal Público, no seu suplemento Fugas, e a propósito deste passeio de todo-o-terreno, traz o seguinte texto da autoria da jornalista Marília Moura: "A Glória na Torre (...) Reconheci o frio da Serra da Estrela, mas faltou a neve. Nunca pensei entrar de X3 na pista de esqui, mas creio que foi mais emocionante do que andar de trenó.
Tinha de escolher entre trilho acentuado em cascalho ou estrada de alcatrão. Optei pela primeira, queria sentir a dificuldade. Sem derrapar, subi entre lascas soltas de xisto e granito até à Torre. Chegara a altura de descansar e respirar fundo, de desfrutar da voltinha de telecadeira e do assombro da panorâmica. O meu momento de glória".
Cara Marília Moura: cada pessoa terá os seus momentos de glória. Eu, cidadão deste República onde ninguém cumpre as leis, nem respeita o pouco património que nos resta, orgulho-me de ter tido vários momentos de glória. E, sobretudo, de nenhum deles ter implicado andar de "jipinho" sobre o habitat e, literalmente, sobre algumas espécies, das mais importantes e mais vulneráveis da nossa flora e fauna.
E porque o Público não é um jornal qualquer; porque é dirigido pelo José Manuel Fernandes, pessoa com sensibilidade para as questões ambientais e que, entre outras obras, é autor do livro "Serras de Portugal", onde faz um lúcido e emotivo retrato da Serra da Estrela, senti-me na obrigação moral de lhe enviar o texto que a seguir reproduzo:
Exm(o) Director do jornal "Público":
Escrevo-lhe na dupla condição de leitor de sempre do jornal que dirige e de amante da Serra da Estrela. Nunca como até hoje, me tinha sentido tão ofendido (nessa dupla condição) por um texto escrito no "Público".
Aconteceu hoje, num texto assinado pela jornalista Marília Moura, no suplemento Fugas, a propósito de um passeio de todo-o-terreno que culminou no atravessamento de uma parte do planalto da Torre, fora de qualquer caminho existente.
O José Manuel Fernandes não é uma pessoa qualquer; é uma pessoa com preocupações ambientais e que conhece a zona descrita ou não fora um dos autores do livro "Serras de Portugal". Por este motivo, não será necessário relembrar-lhe que o Planalto da Torre alberga espécies altamente vulneráveis, com um valor ambiental incalculável, que levaram à sua classificação como Reserva Biogenética do Conselho da Europa.
Ambos sabemos que os problemas ambientais da Serra da Estrela, e da Torre em particular, são muito extensos e começam logo na existência desta pseudo-estância de esqui. Sei bem que no meio da autêntica lixeira a céu aberto em que se transformou a Torre, este passeio motorizado parecerá uma coisa menor.
E também não se trata de uma questão de radicalismos ou fanatismos ambientais. Eu também já andei de todo-o-terreno na serra mas nos locais próprios, como é evidente.
Do que se trata aqui é de uma questão de princípios que um jornal com a responsabilidade do "Público", deveria transmitir perante os seus leitores e a sociedade em geral. Dito por outras palavras, os seus jornalistas têm uma responsabilidade acrescida perante a sociedade, como a que eu tenho enquanto professor de ciências. Estamos sempre a ser julgados pelas nossas acções pelo que não devemos nunca pactuar com situações que violem as mais elementares regras de cidadania (mesmo que neste caso existisse uma autorização do Parque Natural da Serra da Estrela). Dito por outras palavras, um jornalista não é uma pessoa como outra qualquer, tem um conjunto de responsabilidades cívicas e não pode vir para a praça pública vangloriar-se de ter andado a passear numa zona ambientalmente sensível como esta.
Não vou deixar de ser leitor do "Público", porque não foi por causa desta infeliz situação que deixou de ser o melhor jornal deste país. Não estou à espera que a jornalista em causa se arrependa do seu (irreflectido?) acto. Mas custava-me muito que uma pessoa como o José Manuel Fernandes não tivesse uma palavra sobre este caso.
Agradecido por toda a atenção, com os melhores cumprimentos,
Pedro Nuno Teixeira Santos
10 comentários:
Boa, Pedro!
Também li o Público hoje, também fiquei mal disposto com a satisfação bacoca com que aquela jornalista narrou a sua aventurazinha publicitária...
Off-road num Parque Natural? 'Bora lá, BMW!
Nunca usei esta expressão, vou usá-la agora: só mesmo neste país.
Infelizmente há gente que, não tendo brincado em pequeninos como deviam, andam agora embevecidos a fazer fretes e asneiras e ainda se gabam disso. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)
É assim mesmo Pedro.
Da parte da jornalista só pareceu ter faltado uma expressão do género: "Porreiro, pá !"
Apesar de tudo tenho esperança que o José Manuel Fernandes venha a ter uma "conversinha" com a moça e lhe explique umas coisas...já sei que esta fé inabalável na boa-vontade das pessoas é um "defeito", mas que hei-de fazer?!
Obrigado pelos vossos comentários.
E se a cartinha tivesse sido dirigida directamente à Excelentíssima Senhora jornalista não teria sido mais curial? É porque meter chefes pelo meio nem sempre é o mais aconselhável. Foi ela que errou, logo deve ser ela a responder pelos seus actos. Cada um que assuma os seus. Assim, certamente, não vai haver resposta de ninguém!
Caro Sonhador,
Obrigado pelo comentário.
Se o "Público" divulgasse, como fazem outras publicações, o endereço de correio electrónico dos seus jornalistas, teria com toda a certeza escrito directamente à pessoa em causa.
De facto, concordo consigo, cada um tem que assumir os seus actos. Mas, na minha opinião (e sublinho "na minha opinião”), tal não iliba as "chefias". Ainda que aqui a "chefia" mais directa fosse o chefe de redacção ou o responsável directo pelo suplemento "Fugas"...e não tanto o director do jornal, que não terá tempo de ler todos os artigos antes da publicação do jornal.
É que ser "chefe" é, no meu entender, isso mesmo...ser co-responsável pelos actos dos que trabalham sob a sua supervisão. Por isso é que, dada a responsabilidade acrescida, nem todos têm a capacidade e competência para liderar. Quer ele queira ou não, o José Manuel Fernandes (JMF) é o responsável por tudo o que de bom ou de mau ocorre com o jornal que dirige...o que, como é evidente, não apaga os erros dos jornalistas que trabalham sob a sua direcção.
Acrescento que, por ser uma situação que se passou na Serra da Estrela, zona que o JMF conhece bem, quis que ele tivesse conhecimento pessoal da mesma.
Obrigado pelo seu ponto de vista,
Cumprimentos
Só é pena que a carta vá parar ao sitio do costume.
Parabéns pelo teor da carta.
Abraço
António Santos
Penso que a moda pegou. Hoje estive no Porto das Hortas, ao pé de Alcochete: um lugar excelente para observar limícolas e outras aves aquáticas. Reparei numa nova placa que promovia o lugar a «Pólo de Animação Ambiental». Pareceu-me bem, afinal aquilo está dentro da Reserva Natural do Estuário do Tejo, e blá-blá-blá. Todavia, aplaca não era a única novidade: pelos carreiros à beira-rio, uns tipos dedicavam-se a praticar motocross numa berraria de motores que se devia ouvir na Conchichina. Pobres aves, já não lhes bastava os tiros da caça, ainda têm que ouvir os traques do escape livre.
Vale sempre a pena escrever para os jornais.Faz sempre mossa, embora se possa pensar que não. Eu tambem vou escrever e todos podiam fazer o mesmo.
Obrigado.
AL - jornalista
Paulu,
Como escreveu o Octávio do "Ondas 3", o problema desta gente é não ter brincado o suficiente em criança...não se trata de um discurso primário anti-"novos ricos", afinal de contas ninguém terá um comportamento ambiental 100% correcto.
Trata-se apenas de notar que muita desta gente, entenda-se "condutores de TT", violam repetidamente os trilhos aos quais se deveriam limitar a parece exibir um certo orgulho "parolo e infantil" nisso, sem pensar nas consequências dos seus actos.
Gostei do "bzz do luscofusco"; vou recomendá-lo a um amigo com particular interesse em aves e insectos a ver se o entusiasmo a também criar um blogue sobre esta temática.
António Santos e AL,
O objectivo desta "carta aberta" era mais sensibilizar o José Manuel Fernandes para este assunto, sobretudo pelo conhecimento que este tem da importância ambiental do Planalto da Torre; foi mais uma carta pessoal (ainda que "aberta"), em forma de desabafo do que propriamente uma "carta ao director" para ser publicada no jornal.
Tenho confiança que ele a leu com atenção e que terá falado com a jornalista.
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