segunda-feira, agosto 04, 2008

Os sobreiros do Tortosendo

Sobreiros no Bairro do Cabeço (Tortosendo, Covilhã)

De acordo com uma notícia do jornal "Urbi et Orbi", a Câmara Municipal da Covilhã (CMC) prepara-se para adjudicar duas obras no Tortosendo, as quais interferem com um conjunto de sobreiros (espécie protegida pelo Decreto-lei n.º 169/2001).


Eis o que, de forma resumida, penso sobre o assunto:

1º) As leis existem para ser cumpridas. O seu desconhecimento ou a discordância em relação às mesmas, não impede os cidadãos e as diferentes instituições de as cumprir.
Um organismo do Estado, como uma Câmara Municipal, tem ainda uma responsabilidade acrescida, pois ao desobedecer às leis da República está a desautorizar o mesmo Estado do qual é o representante ao nível municipal.
Acresce que ao desobedecer aos preceitos da lei, uma Câmara Municipal está a convidar os cidadãos a fazer o mesmo, ou seja, a desobedecerem às leis que não lhes agradam ou que supostamente os prejudicam, situação que se pode virar contra o próprio poder municipal.
Dando um exemplo concreto, quando um autarca, como o Sr. Fernando Ruas, veio aconselhar a população do concelho de Viseu a receber os fiscais do Ambiente à pedrada, esqueceu-se que o mesmo poderia acontecer aos fiscais da própria Câmara; ou seja, o Estado é só um e quando se desautoriza um organismo estatal está-se, implicitamente, a desautorizar toda a máquina do Estado.

Dito isto, não me passa sequer pela cabeça, que o poder autárquico eleito democraticamente pelos cidadãos do meu concelho, conceba outra coisa que não o escrupuloso cumprimento do referido Decreto-lei n.º 169/2001.

Por outras palavras, não acredito que se possam repetir situações como a da "Quinta do Freixo", onde uma instituição do Estado, como a CMC, defendeu os interesses de um promotor privado, contra outro órgão do Estado (a Direcção-Regional de Agricultura da Beira Interior).
Em causa estava uma flagrante violação da Reserva Agrícola Nacional, uma daquelas leis que eu, na minha inocência, pensava que era dever de uma autarquia fazer cumprir. Enfim, pelos vistos não é!


2º) Porque me recuso a acreditar em "teorias da conspiração", acredito que a CMC quer efectivamente executar estas obras e que não se desculpará, a posteriori, com as limitações impostas pelo referido Decreto-lei n.º 169/2001.
Espero que não estejamos perante mais um filme de "política de terra queimada", do género: arrancam-se uns sobreiros, a obra é embargada e depois mandam-se chamar os sempre solícitos órgãos de comunicação social regionais, para gritar: "aqui d' el rei, lá estão aqueles malandros de Lisboa e de Castelo Branco que não nos deixam trabalhar!".

3º) Vamos então às obras a executar na freguesia do Tortosendo...

Tenho alguns problemas em aceitar que se tenha que destruir uma mata para fazer arruamentos, destinados a uma feira de carácter anual. Não, não estou a falar de uma daquelas feiras anuais que duram várias semanas e movimentam largos milhares de pessoas e de euros, como a Feira de São Mateus, em Viseu ou a Feira de Março, em Aveiro.
Estou a falar da destruição de um pequeno bosque de pinheiros e sobreiros, para a construção de arruamentos e pavilhões para uma feira que decorre num único dia do ano: o dia 29 de Setembro (dia de S. Miguel). Com certeza que a freguesia do Tortosendo terá outras prioridades e que dificilmente se poderá invocar, neste caso específico, o interesse público.

Já no caso da ampliação do Parque Industrial do Tortosendo, e sabendo como o mesmo está parcialmente inserido numa zona rica em sobreiros, compreendo que aqui possa ser invocado o dito interesse público, pois neste caso podem estar em causa investimentos que efectivamente gerem riqueza e emprego para o concelho. No entanto, fico a aguardar por mais detalhes do processo, nomeadamente quanto ao número de sobreiros envolvidos e quanto à existência de terrenos alternativos.


4º) Assim sendo, e se as obras avançarem com a devida autorização e no escrupuloso respeito do Decreto-lei n.º 169/2001, elogio a intenção de os sobreiros serem poupados ao abate e serem transplantados para espaços verdes do concelho.

No entanto, é aqui que verdadeiramente se poderá aferir se a CMC está ou não interessada em salvar os ditos espécimes.
E isto, porque este processo deverá ser feita por empresas especializadas nessa tarefa particularmente exigente do ponto de vista técnico; processo esse que, na minha modesta opinião, terá escassas probabilidades de ter sucesso mesmo que executado por empresas do sector da arboricultura.
E o que é que nos ensina o passado recente? Pois bem, ensina-nos que o dinheiro é o factor determinante em muitas das escolhas que são feitas.
Foi deste modo que uma empresa do concelho, sem qualquer especialização na manutenção de árvores ornamentais, ganhou o concurso público para a poda de centenas de exemplares na cidade, com os resultados dramáticos visíveis até para um leigo na matéria. Deste modo, é natural que tema o pior quanto à suposta transplantação dos referidos sobreiros.

Cá estarei para avaliar a boa vontade da CMC neste processo. Até porque, de boas intenções está o inferno cheio...

Um belo exemplar de sobreiro existente junto ao Bairro do Cabeço (Tortosendo, Covilhã)

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Pedro, viva !

Conheço perfeitamente a zona e, como pode facilmente constatar se por lá passar a pé, os sobreiros existentes, fruto da queda das bolotas e de remexida a terra, nasceram expontaneamente e numa manhã de inicio de ano passei por lá, com a autorização do proprietário, para transplantar alguns sobreiros para uso particular. A situação, quiça ilegal, pode parecer "estranha" mas não o é. A viabilidade desses sobreiros representa uma baixa percentagem ao passo que, para os fins que os queria, podem ser bem aproveitadas e inclusivé melhor apreciados.

É com enorme desgosto que constato esta situação... Oxalá eu possa ir recolher alguns pois, na altura, vi-me impedido por um vizinho furioso com a minha presença..

Cumprimentos.

josnumar disse...

Estimado Pedro:
Desculpe em estar a servir-me do email do Sombra Verde, mas é para onde me é mais fácil comunicar.
Louvo o empenho que faz pelo nosso país fora em defesa do nosso património florestal. Interessa-se por todas as árvores sejam elas sobreiros, eucaliptos, azinheiras ou castanheiros. Surpreendeu-me a sua visita ao castanheiro do Centro de Dia de Malcata. Esta semana estou creio que vou lá estar uns dias. Claro que vou conversar com a direcção do Lar e vamos acreditar que com a boa vontade de todos a "nossa" árvore continuará mais acarinhada e a sua classificação será um motivo de orgulho para a aldeia e também para si.
Um abraço!

Júlia Galego disse...

Pedro, para a sua lista de "motivos para abater uma árvore" pode acrescentar mais esta:
A CMCM anda a fazer, nalgumas ruas, novas passagens para peões. Vaí daí, como uma dessas passagens ficava em frente de uma das árvores do passeio, a solução foi arrancar a árvore.
Boa semana

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

A classificação do castanheiro é motivo de orgulho para todas as gentes da Malcata e para os seus proprietários, em particular, que o souberam estimar.

Eu tive um papel mínimo que foi o de escrever uma carta (e nem sequer terei a certeza se eles não conheceriam já a árvore). E, aliás, eu só conheci a árvore porque o José Amoreira (do "Cântaro Zangado") me chamou a atenção para o seu blogue. Por isso, o "Malcata.net" também está de parabéns por ter dado a conhecer, em primeira mão, esta magnífica árvore ao resto do mundo.

Pude verificar que existe na DGRF da Guarda, gente verdadeiramente empenhada em proteger as árvores monumentais do distrito; ainda que a decisão passe sempre pelos serviços centrais da DGRF, em Lisboa, não duvido da classificação de um castanheiro com estas dimensões.

É apenas uma questão de por as pessoas a falar entre si...

Devo voltar à aldeia da Malcata nas próximas férias de Natal, gostava muito de o fotografar sem folhas.

Um abraço e aguardemos por boas notícias.


Júlia,

Avance com a denúncia dessa barbaridade ambiental. As Câmaras Municipais, seja a de Campo Maior ou outra qualquer, precisam de saber que há hoje cidadãos vigilantes que não permitem que estes crimes passem incólumes.


Infelizmente, parece que certos órgãos de comunicação social locais e regionais, e não sei será esse também o caso de Campo Maior, só existem para noticiar inaugurações e anúncios de obras e não para denunciar e questionar o que está mal feito nas vilas e cidades deste país.

Restam-nos os blogues...

Ricardo Cardim disse...

Olá Pedro,

Muito obrigado por sua visita ao blog "árvores de São Paulo", temos muitos desafios quanto a arborização aqui em São Paulo, e seu apoio é bem-vindo!
parabéns pelo seu blog, realmente bem interessante, quando estive em Portugal algum tempo atrás fiquei impressionado com a beleza dos sombreros.
O que precisar no Brasil, estou à disposição.
Ricardo Henrique Cardim

Márcio Meruje disse...

Estive hoje no local e é lastimável ver os sobreiros, todos os exemplares, assinalados com tinta branca e alguns a vermelha ( alguém sabe a distinção realizada entre branco e vermelho ? ). Não é uma simples marca... é uma "grande marca" ... Enfim !

Gostava que, se alguém conhecer os responsaveis pela extracção dos exemplares ou souber a data para tal que deixassem aqui essa informação.

Obrigado.

Cumprimentos,

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Márcio,

Não sei o que significam essas marcas; suponho que uma das cores signifique que seja para transplantar e a outra que signifique que seja para abater.
Se tivessem intenções em manter alguns destes sobreiros, duvido que os marcassem.

Vou enviar um e-mail para a DRABI e outro para a DGRF, questionando se estão a par desta situação.

De resto e no caso específico do Bairro do Cabeço, continuo a desconfiar que se gastem milhares de euros em arruamentos apenas para uma feira que decorre uma vez por ano.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Olá Ricardo,

Obrigado pelas suas palavras e disponibilidade. Continuação de bom trabalho.

Um abraço.