Ando desde Sábado para escrever este texto, ou seja, desde que ouvi a notícia no rádio, vinha eu de Braga. Pensei até deixar passar o assunto em branco. Mas enfim, não consigo, é mais forte do que eu, por isso, cá vai...
Eu sei que o meu relacionamento com a generalidade dos meus compatriotas já conheceu melhores dias (eu diria mesmo que uma das partes deveria partir para o divórcio litigioso!). Tenho igualmente consciência que tudo o que diz respeito a atentados à Serra da Estrela me tira do sério, mas vou tentar ir com calma.
Vem tudo isto a propósito da acção de limpeza levado a cabo na zona da Torre, no passado Sábado (dia 19), por voluntários, através de uma iniciativa do Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE), estrutura ligada à Câmara Municipal de Seia.
Esta iniciativa pretendia efectuar a limpeza na zona do Covão do Boi, mas tal não foi possível. E perguntarão porquê? Pois bem, porque o lixo na zona envolvente à Torre era tanto, que estes voluntários acabaram por não ter tempo para sequer se aproximar do Covão do Boi. No total foram recolhidos 1200 kg de resíduos, isto é, mais de uma tonelada de lixo. Recorde-se que em Maio passado, por iniciativa da Associação de Produtores Florestais do Paul (Covilhã), já haviam sido recolhidos 600 (!!!) sacos de lixo, em zonas envolventes à Torre!
Se eu fosse um brincalhão, diria que estas coisas não se fazem, estarem a contribuir para a extinção daquela que deveria ser uma das principais bandeiras turísticas da Serra da Estrela: a lixeira mais alta de Portugal Continental!
Como não sou um brincalhão, cá vai: sobre a "Turistrela", única empresa concessionária do turismo do maciço central (incluindo aquilo a que chamam a Estância Vodafone) e sobre as suas "responsabilidades", nem sequer falo. Admitir que essa empresa tem responsabilidades era o mesmo que admitir que tem direitos, ou seja, que têm direito a existir. Coisa que não tem! Remeto os caros leitores para o saudoso programa "Planeta Azul" da RTP e para um programa específico sobre a Serra da Estrela; está lá tudo e não é preciso acrescentar uma vírgula.
Quanto ao Parque Natural, não sei se chore ou se ria, porque a verdade é que estas estruturas estão reduzidas a criar a ilusão (talvez a Bruxelas?!) que em Portugal se conserva a natureza. Na realidade, ainda que quisessem, e eu até acho que querem, não têm meios (legais e financeiros) para obrigar quem quer que seja a limpar o que suja. Para as direcções das Áreas Protegidas deste país, já é um luxo chegar ao fim do mês com dinheiro para pagar a água e a luz! E quanto cometem a ousadia de levantar alguma objecção, aqui d'el rei, levantam-se os autarcas e as chamadas forças vivas da região (adoro esta expressão!), que lá está o Parque a "boicotar o desenvolvimento", no que o nosso povo, que gosta é de foguetórios, cimento, alcatrão e centros comerciais, vai logo atrás.
Quanto às Câmaras da região que gostam de se entreter em guerras inúteis sobre quem manda mais na serra, quando chega a hora de limpar, olham para o lado, mãos nos bolsos, que isso não é nada connosco. Preste-se por isso aqui homenagem à Câmara de Seia que, através do CISE, se chegou à frente e prestou um serviço a todos.
Mas não passemos ao lado dos principais responsáveis. É que para lá de possíveis responsabilidades de instituições públicas ou privadas, existe a responsabilidade individual de cada cidadão. É muito típico dos portugueses sujar porque depois, com certeza, atrás de nós virá sempre alguém que limpa ou desculpar-se porque não viram caixotes do lixo. Os portugueses são crianças em ponto grande, sempre a desculpar-se com os outros e sempre demasiado cobardes para assumir as suas responsabilidades cívicas. Por isso, deixemo-nos de meias palavras, pois para todos aqueles que aqui vêm, supostamente em turismo, e aqui abandonam o lixo, o dicionário de Língua Portuguesa contém vários adjectivos, que eu não reproduzo apenas porque quero que este blogue tenha um mínimo de decência na linguagem. Não há desculpas para as fraldas, embalagens de preservativos, restos de obras, latas de atum, banheiras de plástico (!!!) abandonadas. Não há meio-termo na educação: ou se tem ou não se tem!
É esta falta de amor ao próprio país que os portugueses constantemente demonstram (sempre tão pretensamente patriotas com as bandeirinhas made in china à janela), que me magoa profundamente. Subir ao ponto mais alto do nosso território continental e ver com os próprios olhos o à vontade com que convivemos com o lixo que abandonamos, dá-nos o perfeito retrato do povo que somos em pleno século XXI.
Por mais roupas de marca que usemos, telemóveis de última geração, carrinho topo de gama alemão, não conseguimos disfarçar a nossa verdadeira essência. Ainda que supostamente tenhamos instrução, até mesmo um canudo, quando ninguém espreita, quando ninguém olha, aí verdadeiramente mostramos a nossa falta de educação cívica: de dia ainda pomos a garrafa no vidrão mas à noite, quando os vizinhos dormem, lá vamos abandonar o colchão velho à serra. E se for preciso ainda telefonamos muito ofendidos para os fóruns da televisão e da rádio a criticar este país, onde ninguém limpa as matas!
É isto que verdadeiramente nos distingue da Europa, não é por termos menos dinheiro, mas é por este secular atraso civilizacional. Se fôssemos mais ricos faríamos exactamente o mesmo, só que haveria menos gente a atirar lixo pela janela do Fiat e ainda mais gente a fazê-lo da janela de um Audi.
Termino como comecei: no Sábado vinha de Braga e, já na Covilhã, ao parar num semáforo vermelho, o indivíduo que estava à minha frente, abre a porta da sua bruta carrinha e faz o favor de despejar o lixo do cinzeiro para o meio da rua. Adoro o meu país, que Deus nos mantenha assim por muitos anos!...
1 comentário:
Eu vi há alguns meses o condutor de um camião de recolha do lixo que subia a Serra a caminho das Penhas da Saúde, perto do parque do Pião, atirar uma garrafa de água vazia, daquelas de plástico, janela fora!
Acho que tens toda a razão: não é só desenvolvimento material que falta ao nosso país.
Obrigado pela referência ao Cântaro Zangado, aqui há dias. Descobri há poucos minutos esta sombra verde; suspeito que vou parar frequentemente por aqui, para apanhar um fresquinho.
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