Ponto 1 - Em Portugal, do ponto de vista legal (Decreto Lei 565/99), 30 espécies vegetais estão classificadas como invasoras; na realidade, este número deverá ser superior, mas ainda que fosse apenas este o número de espécies vegetais invasoras presentes no nosso país, o problema já seria gravíssimo.
Ponto 2 - As invasões biológicas por espécies exóticas constituem uma das principais ameaças à diversidade biológica a nível global.
Entre os vários efeitos nefastos que provocam nos ecossistemas, as espécies invasoras tendem a uniformizar a paisagem (por exemplo, após um incêndio, onde antes existia uma diversidade de herbáceas, arbustos e árvores passa a existir apenas uma única espécie vegetal);
Outros efeitos nefastos, passam pela alteração do regime de fogos e por alterações ao nível da disponibilidade de água e de certos nutrientes no solo.
Em casos mais graves, podem mesmo levar ao desaparecimento de certas espécies. Como?
Vamos imaginar o seguinte cenário (infelizmente, bastante plausível...): certas espécies vegetais possuem uma distribuição muito limitada, por exemplo, a abrótea (Asphodelus bento-rainhae P. Silva), cresce apenas em carvalhais da vertente norte da Serra da Gardunha; trata-se de um exemplar da flora endémica exclusiva desta serra ou, em linguagem do comum dos mortais, trata-se de uma planta que não cresce em nenhuma outra parte do nosso planeta, excepto numa área muito limitada da Serra da Gardunha.
Se este habitat sofrer um incêndio, esta zona poderá ser facilmente invadida por acácias, nomeadamente por mimosas (Acacia dealbata Link), presentes por toda a serra e que, dada a forma agressiva como eliminam toda a concorrência, poderiam facilmente riscar do mapa este exemplar único da nossa flora autóctone.
E perguntarão os leitores: e que mal fará perdermos uma planta? Uma a mais, uma a menos, se mesmo assim 99% das pessoas não sabe o que é uma abrótea?
Para além da questão moral de preservarmos para as gerações futuras o património biológico que herdámos, não podemos esquecer que os ecossistemas se sustentam em frágeis equilíbrios, onde cada espécie desempenha um papel...
E se estes argumentos são demasiado técnicos, ambientalistas ou, por que não dizê-lo, até aborrecidos, vamos pensar no seguinte: grande parte dos medicamentos e outras substâncias que utilizamos no nosso dia-a-dia provêm de plantas; ao desaparecer uma espécie, pode estar a desaparecer todo um património incalculável para o próprio ser humano.
Vejamos o caso do taxol, isolado a partir do teixo, e que se veio a verificar ser uma molécula com poderosa acção anti-cancerígena; imaginemos que o teixo desaparecia antes de se ter isolado e estudado esta molécula? Quantas vidas humanas se teriam perdido sem esta descoberta?
Por estes e muitos outros motivos, nenhuma espécie é irrelevante neste nosso planeta e, as invasões biológicas, nomeadamente de espécies vegetais, são um gravíssimo problema que afecta a biodiversidade e a sobrevivência de muitas espécies.
Ponto 3 - A mimosa (Acacia dealbata Link), em particular, é provavelmente a invasora mais agressiva e difícil de controlar no território continental. Veja-se a forma como, ao longo das margens do Mondego, nomeadamente a jusante da Barragem da Aguieira, eliminou toda a vegetação ripícola.
E o que dizer do problema dentro do próprio Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde se tem investido tanto para tentar controlar este problema, infelizmente sem grande sucesso.
É por isso que fui aos arames com esta história do concurso fotográfico das mimosas; não depende do cidadão comum resolver este problema, mas não se incentive um turismo que glorifica e enaltece um gravíssimo problema ambiental do nosso país; já é suficientemente grave que as pessoas, e muitas autarquias, as continuem a plantar como ornamentais, o que não admira dada a facilidade com que se encontram à venda em tantos viveiros...
Aqui há uns anos até chegámos ao cúmulo de ter, no Alto Minho, uma "Festa da Mimosa", que posteriormente, para evitar a polémica, foi baptizada como Festa da Primavera!
Ponto 4 - Por princípio, nada tenho contra as espécies exóticas. Nem eu, nem a generalidade das pessoas classificadas como "ambientalistas", geralmente vistas como pessoas fundamentalistas, que é uma forma de nos arrumar num "beco" e dar por encerrada a discussão.
Aliás, convém clarificar que uma espécie exótica não é obrigatoriamente invasora. Muitas das espécies que nos habituámos a ver nos nossos campos (amendoeiras, pessegueiros, alfarrobeiras, laranjeiras, limoeiros, castanheiros, etc.) foram introduzidas; o mesmo se passa com uma enorme variedade de espécies com elevado valor do ponto de vista agrícola (batata, milho, etc.) ou ornamental (tílias, plátanos, etc.). Mesmo aquela que foi durante muito tempo, pelo menos até aos fatídicos verões de 2003 e 2005, a nossa principal espécie florestal, o pinheiro-bravo (Pinus pinaster Aiton), foi muito provavelmente introduzida...
A diferença é que uma espécie invasora cresce de forma descontrolada, pondo em causa outras espécies, nomeadamente da flora autóctone...
Por isso, caro leitor, se conseguiu chegar, sem desistir, a esta parte do texto peço-lhe apenas que não ajude a agravar este problema...pode fotografar as mimosas, isso é obviamente irrelevante para o problema, mas não plante nenhuma no seu jardim.
No Verão passado, consegui persuadir a minha amiga M. , a não plantar umas mimosas no seu terreno; se com este texto conseguir evitar que mais alguém o faça, já darei por bem empregue o tempo que me levou a escrevê-lo.
Para mais informações, sobre as mimosas e outras espécies vegetais invasoras, consultar a página do projecto Plantas Invasoras em Portugal.
10 comentários:
Interessantíssimo este post...
Vou divulgar por mais pessoal o verdadeiro problema que é esta espécie, que nesta altura do ano nos maravilha com as suas belas "flores" amarelas que tantas alergias tb provocam...
Parabéns e continua com o excelente trabalho que tens desenvolvido com o teu blog!
Esta é uma excelente posta que merece ser divulgada. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)
Obrigado pelos elogios e por toda a divulgação que possam dar a um problema bastante grave e desconhecido da esmagadora maioria da população.
Aliás, a maioria das pessoas, ao ver as mimosas um pouco por todo o lado (e como ninguém fala disto na comunicação social), pura e simplesmente, pensará que a mimosa é típica do nosso país...e não da longínqua Austrália.
Na zona da Covilhã, basta percorrer a A23, entre Caria e Benespera; ou olhar para as encostas de Orjais e Vale Formoso; ou mesmo para a encosta da Covilhã (em especial no vale da Goldra) para perceber como elas se espalham e arrasam toda a concorrência.
Em relação ao cidadão comum, já seria bom que não as plantassem e, já agora, que sempre que vissem alguma mimosa pequena a crescer, a arrancassem...mas com a raiz; caso contrário, volta a rebentar!
Também me junto à tua luta, desta vez divulgando este teu excelente post!
EXCELENTE
Esta postagem pode ajudar a esclarecer muita gente que não faz idéia do lado perverso destas 'belezas'
No penúltimo parágrafo do teu excelente texto querias decerto dizer que conseguiste *dissuadir* (em vez de persuadir) a tua amiga M. de plantar mimosas, não é?
Há alguma maneira de as controlar?
O meu comentário anterior foi escrito muito à pressa e por causa disso a pergunta final ficou um pouco dúbia.
Quando perguntava se há alguma maneira de as controlar, não me estava a referir às amigas (se bem que, às vezes...), mas sim às mimosas.
José, acredita que li o texto mil vezes e não dei pelo erro...claro que queria dizer : persuadi a NÃO plantar!!...já emendei, obrigado. Ainda por cima sou um bocado perfeccionista, ainda bem que há quem nos leia com atenção!
Em relação ao controlo das mimosas, a situação é bem mais difícil de corrigir; vou tentar resumir:
- alguns produtos químicos já experimentados, nomeadamente no PN Peneda-Gerês, apenas provocam uma transitória perda da folhagem, mas parecem ser incapazes de as "matar";
- o corte também não resulta se não se arrancarem integralmente as raízes; algo que resulta parcialmente é o ensombramento. Isto é, se se proceder ao arranque de todas os exemplares e se proceder a uma florestação que promova um rápido ensombramento dos solos, isso pode ajudar a controlar o problema. Desde que depois se continuasse a arrancar alguns indivíduos que pudessem rebentar.
Mas o verdadeiro problema está nas sementes; ou seja, imagina que se fazia todo este trabalho que descrevi atrás mas que, ao fim de alguns anos quando o problema parecia controlado, se verificava um incêndio...seria o regresso ao ponto zero, com milhares de sementes a germinar!Faz lembrar um pouco o filme "Aliens", não é?
Na África-do-sul, onde têm este problema, já entraram no campo da guerra biológica, precisamente para destruição das sementes, nomeadamente impedindo que as mimosas possam florir e, logo, produzir sementes. Sei que tal está a ser ponderado no nosso país, nomeadamente para outras espécies de acácias...Mas as guerras biológicas são sempre muito arriscadas por mais testes que se façam com a flora nativa. Infelizmente, estamos a ficar sem recursos.
Por isso, vamos todos tentar fazer coisas tão simples como:
- não as plantar em jardins privados e públicos (elas não invadem os jardins mas as sementes podem iniciar um processo de "invasão" em terrenos próximos);
- arrancar todos os exemplares pequenos e isolados que encontremos;
- denunciar barbaridades como a que li há uns dois anos no "Jornal do Fundão", onde se dava conta da intenção da DRABI de plantar mais acácias na Gardunha !!!!
- E sobretudo, INFORMAR as pessoas, pois uma esmagadora maioria das pessoas considera as mimosas tão típicas do nosso país como as giestas, por exemplo (ainda estamos na fase dos raides fotgráficos à mimosa!!!).
Abraço e obrigado
Gostei muito do post. Mas, importa salientar que a grande responsabilidade desta situação é da política de gestão dos recursos florestais, e não da introdução das espécies exóticas em jardinagem. Nos anos 50/60 com objectivos economicistas e no âmbito do plano de povoamento florestal do estado novo, enormes áreas de Portugal foram reflorestadas pelos serviços do estado com acácias que produziam rapidamente boa madeira para construção. O mesmo que aconteceu com os eucaliptos para a pasta de papel.
Obrigado pelo comentário.
Eu não quis responsabilizar a "jardinagem" pelo problema da introdução de exóticas infestantes, nomeadamente de acácias. No entanto, continuo a defender que todas as plantas que fazem parte do Decreto-lei 565/99 não deveriam ser vendidas em viveiros, nem utilizadas em jardinagem.
E que, previamente à autorização de comercialização de determinada espécie ou à sua utilização (ornamental, agrícola, florestal. etc.), deveriam ser efectuados vários testes para avaliar do seu potencial invasivo.
Claro que sei que nenhuma destas medidas impediria (ou impede) que qualquer cidadão possa introduzir e difundir uma nova espécie com potencial invasor.
Em relação às acácias australianas, tanto quanto sei, a responsabilidade da sua introdução foi, de facto, do Estado (A. longifolia e a A. melanoxylon sobretudo para fixação das dunas e a A. dealbata sobretudo por questões ornamentais). Ainda hoje, assistimos a situações absolutamente surreais, com o Estado a gastar dinheiro a tentar contolar este problema (no PN Peneda-Gerês) ou a financiar cientistas que estudam formas de erradicá-las e, ao mesmo tempo, outras instituições do mesmo Estado (como a Direcção-Regional de Agricultura da Beira Interior) que chegou a anunciar a intenção de plantar mais acácias na Serra da Gardunha...neste último caso, este plano de reflorestação parece estar há dois anos perdido numa gaveta (neste caso, viva a burocracia!).
Há coisas típicas do dito 3º mundo e outras que só mesmo em Portugal!
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