"A "minha" tília foi derrubada.
Depois de várias investidas frustradas, conseguiram deitá-la ao chão. Já antes a tinham decepado, cortando-lhe dois imponentes ramos.
E em toda esta história destaca-se este gigante de tronco grosso e braços levantados ao céu que, heroicamente, resistiu, enquanto teve forças, às investidas do tempo e do homem.
Suportou os rigores de muitos invernos e os verões escaldantes queimaram-lhe as folhas. O luar, branco inundou-a de luz, tantas vezes, e tornou mais brilhantes as folhas prateadas a que a tília dava vida.
Olho para o tronco retalhado, espalhado pelo chão, e vem-me à memória o meu pai e um madeireiro interessado na compra, já lá vão uns anos, --dou-lhe cem contos pela árvore. Mas o meu pai respondeu, ofendido e determinado: nem por mil contos a venderia!
Porque a nossa tília sempre acompanhou, do alto da sua ramagem e dos muitos, muitos anos, a minha família, durante cinco gerações. Viveu as nossas alegrias e chorou, connosco, quando a desgraça nos bateu à porta.
Plantada pelo meu bisavô, Francisco Bernardo Pimenttel, num lugar alto, donde avistava todo o casario, assistiu ao desenrolar das vidas desta gente e ao nascer do sol nos "Outeiros".
Olho para o chão, novamente. Ali está o tronco retalhado, cheio de seiva, e as memórias são brutalmente dolorosas:
Ali está de novo o meu pai, a organizar a lenha para o Inverno, debaixo da tília, que o protegia e lhe ouvia os queixumes. E como eles conversavam nessas tardes de Primavera e Outono...
... Nem por mil contos a venderia!
Ela era parte da nossa família, era nossa. Durante mais, muito mais de um século foi tratada e acarinhada.
Era com muito cuidado que lhe tirávamos meia dúzia de flores para o chá.
Olho para o chão, mais uma vez, onde ela continua desfeita, retalhada, vencida pelo homem.
As recordações atingem-me como raios fulminantes e eu não consigo libertar-me delas.
Oiço a sª Amélia Lavrador, a sª Amélia da Praça, dizer: Quando a tília está em flor, a Praça fica com um cheiro que até dá gosto.
A Primavera está cá. Desta vez, na Praça, não vão sentir aquele cheirinho de flor de tília, e ela, a tília, jamais verá aparecer o sol nos Outeiros. O meu pai, já há muitos anos, que não procura o abrigo dos seus ramos para preparar a lenha para o Inverno.
E ela está vencida, derrotada, retalhada, espalhada pelo chão.
Antes de tombar, dizem, elevou uma prece aos céus, pedindo um sono suave e tranquilo para aqueles que foram a sua família e que acompanhou, de ramos curvados, à última morada."
Depois de várias investidas frustradas, conseguiram deitá-la ao chão. Já antes a tinham decepado, cortando-lhe dois imponentes ramos.
E em toda esta história destaca-se este gigante de tronco grosso e braços levantados ao céu que, heroicamente, resistiu, enquanto teve forças, às investidas do tempo e do homem.
Suportou os rigores de muitos invernos e os verões escaldantes queimaram-lhe as folhas. O luar, branco inundou-a de luz, tantas vezes, e tornou mais brilhantes as folhas prateadas a que a tília dava vida.
Olho para o tronco retalhado, espalhado pelo chão, e vem-me à memória o meu pai e um madeireiro interessado na compra, já lá vão uns anos, --dou-lhe cem contos pela árvore. Mas o meu pai respondeu, ofendido e determinado: nem por mil contos a venderia!
Porque a nossa tília sempre acompanhou, do alto da sua ramagem e dos muitos, muitos anos, a minha família, durante cinco gerações. Viveu as nossas alegrias e chorou, connosco, quando a desgraça nos bateu à porta.
Plantada pelo meu bisavô, Francisco Bernardo Pimenttel, num lugar alto, donde avistava todo o casario, assistiu ao desenrolar das vidas desta gente e ao nascer do sol nos "Outeiros".
Olho para o chão, novamente. Ali está o tronco retalhado, cheio de seiva, e as memórias são brutalmente dolorosas:
Ali está de novo o meu pai, a organizar a lenha para o Inverno, debaixo da tília, que o protegia e lhe ouvia os queixumes. E como eles conversavam nessas tardes de Primavera e Outono...
... Nem por mil contos a venderia!
Ela era parte da nossa família, era nossa. Durante mais, muito mais de um século foi tratada e acarinhada.
Era com muito cuidado que lhe tirávamos meia dúzia de flores para o chá.
Olho para o chão, mais uma vez, onde ela continua desfeita, retalhada, vencida pelo homem.
As recordações atingem-me como raios fulminantes e eu não consigo libertar-me delas.
Oiço a sª Amélia Lavrador, a sª Amélia da Praça, dizer: Quando a tília está em flor, a Praça fica com um cheiro que até dá gosto.
A Primavera está cá. Desta vez, na Praça, não vão sentir aquele cheirinho de flor de tília, e ela, a tília, jamais verá aparecer o sol nos Outeiros. O meu pai, já há muitos anos, que não procura o abrigo dos seus ramos para preparar a lenha para o Inverno.
E ela está vencida, derrotada, retalhada, espalhada pelo chão.
Antes de tombar, dizem, elevou uma prece aos céus, pedindo um sono suave e tranquilo para aqueles que foram a sua família e que acompanhou, de ramos curvados, à última morada."
3 comentários:
Já tinha lido e é lindíssimo o texto. Parabéns à sua autora que consegue fazer poesia com uma desgraça nacional! Já assinei a petição pelas árvores de Sintra. Aconselho a que todos o façam.
Abraços
João Martins
Lindo e emocionante texto poético, à volta de uma tília, uma secular tília, que foi derrubada. O relato é tão vivo, tão intenso, que nos deixa sem palavras.
Parabéns a Graça Gomes pela sua poesia em defesa dum mundo mais verde.
As árvores de Portugal agradecem.
Luís Andrade Mota
"Perder uma arvore é como perder alguém que se ama"
Conheço muito bem o sentimento de perda a que esta frase se refere.
Já chorei pela morte de algumas das minhas árvores, que têm sido derrubadas não pela mão do homem mas sim pela fúria das tempestades.
E fico perplexa pela seu abate indescriminado, reveladores do ódio que os homens nutrem por elas em vez de amor e protecção. O que aconteceu ao nosso sentimento de ligação com a natureza?
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