De Boas Intenções Está o Inferno Cheio
É-me particularmente difícil escrever este texto…Aprendi a amar estes
ulmeiros em criança e, por causa deles, aprendi a amar todas as
árvores. Vê-los assim, decepados, humilhados, despojados da sua grandeza
é pior que vê-los cortados pela base.
A história desta tragédia é fácil de contar. Apesar de terem sobrevivido, durante décadas, à grafiose e a outras doenças, estes
centenários ulmeiros, classificados em 2008,
apresentariam, no presente, algumas podridões, a juntar a situações de
queda de ramos que, obviamente, não agradariam aos donos dos carros
estacionados à sua sombra.
O responsável do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
(ICNF), da delegação da Guarda, como quem falámos ao telefone,
confessou-nos a falta de meios dos serviços para realizar um estudo
sobre o estado dos ulmeiros e efetuar a manutenção das árvores. Daqui à
catástrofe foi um passo, ou seja, com a pretensa justificação da falta
de meios, o ICNF autorizou a poda deste conjunto monumental de árvores
por um elemento da Guarda Nacional Republicana (GNR), alegadamente com
conhecimentos de poda de árvores.
Dito assim, parece anedota, pese embora o resultado final dê mais
vontade de chorar, do que de rir. Não duvido que as intenções do ICNF da
Guarda e do militar da GNR que executou esta poda tenham sido as
melhores. Mas, como diz o título deste texto, de boas intenções está o
inferno cheio.
A Guarda tinha uma alameda de ulmeiros única na Europa; agora tem
uma “alameda restaurada” um pouco à imagem do restauro do fresco do
Ecce Homo feito pela tristemente famosa dona Cecilia Giménez, numa igreja espanhola. Também neste caso, feita com a melhor das intenções…
O que ocorreu na Guarda é demasiado grave para poder ser justificado
com a falta de meios ou boas intenções. Ulmeiros centenários rareiam na
Europa, resultado da devastação provocada pela grafiose, doença que, nas
últimas décadas, matou milhões de árvores por todo o continente (só no
Reino Unido terão sido mais de 25 milhões). Agora imagine-se a
importância patrimonial e biológica, não de um, mas de 11 ulmeiros com
200 anos!
Alguém duvidará que caso tivesse sido pedida ajuda institucional,
vários especialistas, nacionais ou estrangeiros, ofereceriam os seus
conhecimentos para diagnosticar estas árvores e proporem a melhor
solução para tentar garantir a sua longevidade?
Por que não foram contactados, por exemplo, os serviços florestais britânicos (
Forestry Commission),
com anos de experiência a lidar com a doença? Por que não foi
contactado um organismo do Estado, como o reputado Laboratório de
Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida, do Instituto Superior de
Agronomia, para proteger património do próprio Estado? (Note-se que
estes ulmeiros se situam na cerca do aquartelamento da GNR da Guarda,
sendo por isso propriedade do Estado, mais concretamente do Ministério
da Defesa Nacional.)
Por último, não posso deixar de realçar que um dos aspetos mais
graves desta história, é que esta desastrosa intervenção teve por base
uma suposição que não foi provada: a de que as árvores estariam doentes,
provavelmente infetadas pelo fungo causador da grafiose. Em primeiro
lugar, ainda que tal suposição se revelasse verdadeira, a rolagem dos
ulmeiros não seria, de certeza, a solução técnica indicada.
Mas… e se as
árvores estivessem saudáveis?! E se as ditas “podridões” mais não
fossem do que feridas perfeitamente normais em árvores centenárias, que
em nada interferiam com a vitalidade das mesmas?
São demasiadas perguntas sem resposta e só Deus saberá exatamente o
que passou pela cabeça dos responsáveis do ICNF da Guarda para
autorizarem que uma pessoa, sem experiência confirmada na manutenção de
árvores monumentais e históricas, pudesse intervir sobre um conjunto de
espécimes classificados. Deixo por isso, e para concluir, a última
pergunta: se o Estado é tão clamorosamente incompetente a proteger o seu
património, como pode exigir aos privados que o façam?
(Texto publicado originalmente no blogue da
Árvores de Portugal.)
Fonte da imagem: Sol da Guarda.