O jornal "Público", no seu suplemento "Fugas",
publica hoje um extenso artigo de oito páginas (reproduzido abaixo) sobre as árvores
monumentais de Portugal continental. Este excelente artigo, escrito pela
jornalista Andreia Marques Pereira, partiu de uma sugestão
da associação Árvores de Portugal, a qual também colaborou sugerindo as árvores a
visitar e prestando algumas informações e dados sobre as mesmas.
Os Monumentos Vivos de Portugal
Na altura em que as árvores monumentais voltam a estar
protegidas por lei, visitámos algumas numa minivolta por Portugal e
pelas suas tradições. Na Póvoa de Lanhoso encontrámos o carvalho mais
antigo da Península Ibérica. Em Coimbra, o eucalipto mais alto da
Europa. Fomos até Serpa descobrir oliveiras de 2000 anos e em
Moncarapacho uma alfarrobeira que é como uma catedral do tempo das
descobertas. Em algumas cabem camas inteiras ou dez homens.
É José Dias Martins quem
o diz a propósito da sua alfarrobeira de 600 anos de idade, uma árvore
monumental, classificada como de interesse público e, portanto,
protegida por lei: “Olhamos para uma coisa viva e faz-nos pensar, não é
um castelo imóvel.” Mas num país de castelos e outros monumentos
construídos, poucas vezes, porém, se atribui o mesmo valor aos
monumentos vivos que a natureza nos legou, amiúde “impiedosamente
sacrificados”, como se lia na lei de 1938, a mais antiga da Europa, que
passou a oferecer protecção às árvores. Não a árvores quaisquer, às
árvores monumentais, que, de acordo com a descrição do Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), “apresentam um valor
patrimonial elevado, tendo algumas delas ligação directa com a nossa
história e cultura”.
São árvores que se distinguem de outras
da sua espécie “pelo porte, desenho, idade, raridade, interesse
histórico ou paisagístico”. Ou seja, por questões como altura ou
perímetro do tronco ou ainda diâmetro da copa; pela idade que pode ser a
de Cristo, a da fundação da nacionalidade ou dos descobrimentos, por
exemplo; pelas formas excêntricas que tomaram; por serem testemunhos de
lendas e mitos. Durante dois anos, viveram num vazio legal que deixou
vulneráveis as 472 árvores isoladas e 82 arvoredos que estão
classificados como de interesse público, mas em finais de Junho foi
finalmente regulamentada a nova lei de 2012.
Nós fomos conhecer parte deste
património, seguindo a informação da base de dados do ICNF e da
associação Árvores de Portugal, e perceber como sobrevivem estes
“gigantes” da nossa natureza. Se aprendemos com a canção que uma árvore,
qualquer árvore, é um amigo, descobrimos que estas são referências para
as suas comunidades, testemunhas imóveis do tempo, abrigo de aves e
outros animais desde tempos imemoriais, senhoras de frondosa sombra ou
altiva postura, contadoras de história e estórias, guardadoras de
meninices muitas. Há quem lhes guarde um espaço muito especial nas suas
memórias e há quem não as mire duas vezes — mas há quem venha de fora só
para as ver, como nos contam muitos dos que convivem com elas.
Carvalho-alvarinho | Calvos, Póvoa de Lanhoso
Esperávamos um carvalho-alvarinho (Quercus robur
L.) monumental, não um parque construído em seu redor, tão natural que
parecera de sempre. Mas a autarquia da Póvoa de Lanhoso não fez por
menos: protegeu o seu monumento natural numa redoma idílica, onde nesta
tarde crianças de um ATL brincam em actividades de férias organizadas
pelo Centro Ambiental (CA) da Póvoa de Lanhoso, que tem a sua sede num
edifício moderno, cheio de vidro, aqui. Correm como se não houvesse
amanhã sobre a erva (prado) impecavelmente aparada e não têm hesitações
quanto a saltarem a pequena cerca que estabelece o perímetro de
segurança do carvalho-alvarinho, que acompanha a projecção da copa e
corresponde às suas raízes, cuja área não devia ser pisoteada. Afinal,
trata-se de um exemplar referenciado como tendo 500 anos (o que já faz
dele o mais antigo da Península Ibérica e o segundo da Europa), mas que
um estudo posterior da Universidade de Coimbra datou em 700 anos. Foi há
dois anos que um grupo inglês, de uma associação de apreciadores de
árvores, questionou a “juventude” do carvalho; a reavaliação subsequente
deu-lhes razão. “A idade não está actualizada no site do ICNF porque não demos feedback”, explica Manuela Freitas, engenheira florestal, a trabalhar no CA.
A vetustez da árvore é perceptível
claramente — as dimensões não enganam (29 metros de altura para 33,90
metros de diâmetro de copa), a cavidade é imensa e os ramos desdobram-se
em ramos que se desdobram em mais. Parece que o peso da idade já é
grande (foi perdendo ramos devido ao peso, mas este literal) e, com as
suas escoras, lembra um respeitável ancião de muletas. Contudo, este é
mais um caso em que as aparências enganam: já cresce pouco, nota Manuela
Freitas, mas em termos de vitalidade nenhuma outra árvore em redor o
bate: é aquele onde as folhas primeiro rebentam e onde são mais verdes.
Na semana anterior, caiu-lhe um cano: devido ao seu estatuto, foram
feitas fotografias, enviadas à entidade competente que deu luz verde à
intervenção. No entanto, além dos danos causados por temporais, poucos
problemas tem. Manuela Freitas, que o conhece desde menina, quando ele
estava no meio de floresta indiferenciada mas era já um marco
incontornável — ponto preferido das gentes da terra para fazer
churrascos e colocar baloiços improvisados, lembra —, crê na sua
capacidade de resistência. “Já revestiram a cratera [interna] a cimento,
já expulsaram de lá colmeias à base de fumo, já fizeram fogueiras...”
Isto e muito mais aguentou o carvalho de Calvos.
Em 1997, quando foi classificado como
Árvore de Interesse Público, a área em seu redor foi transformada num
parque — de lazer mas com um propósito educativo e de sensibilização
ambiental muito vincado. A construção do centro, em 2005, veio
complementar a oferta nesta vertente (que inclui uma horta biológica e
comunitária e um jardim de aromáticas), juntando-se às típicas de lazer,
como um parque infantil, um bar, posto de turismo, balneários e até um
circuito de manutenção. “Este não será para manter”, conta Melissa
Costa, engenheira do ambiente, responsável do CA, “a ideia é que seja só
lazer e focado no carvalho e no ecossistema florestal”. Pelo mesmo
motivo, aliás, não se avançou com a ideia de criar uma lagoa artificial,
isto apesar de até há cerca de dois anos haver quem chegasse com
piscinas insufláveis e alicates para aceder aos pontos de água, prontos
para passar o dia.
Alguns terão visto um ou até os dois esquilos esquivos que habitam o parque, o Tico e o Teco,
utilizados para explicar às crianças a idade do carvalho, “a casa dos
esquilos”. E se há muita gente na Póvoa de Lanhoso que não conhece o
carvalho também há quem aproveite o período dos exames para estudar nas
suas redondezas. E houve uma mulher que há uns anos se enfiou lá dentro,
recusando-se a sair — só a presença do marido a fez abandonar o
conforto do carvalho.
Castanheiro | Tresminas, Vila Pouca de Aguiar
Andámos atrás de um castanheiro (Castanea sativa
L.) de 500 anos e 14,50 metros de diâmetro à altura do peito, o que o
torna uma das árvores referenciadas mais grossas de Portugal, e acabámos
por encontrá-lo mais a um poldro recém-nascido. Contudo, é toda uma
pequena odisseia, a de encontrar os proprietários do terreno na aldeia
de Vales. Vale-nos Laureano Borges e a mulher, Maria Adelaide Marques,
que vêm a passar com a Rola
(“uma burra velha”) a puxar a carroça. “Tantas vezes brinquei lá dentro
do castanheiro... Agora já não tenho pernas para lá entrar.” Era no
tempo em que havia muitas crianças aqui em Vales e o castanheiro, oco
(“dizem que cabe uma cama”), ponto de referência de brincadeiras. “Há
pouco tempo veio um grupo de miúdos ver o castanheiro”, recorda, “mas
viram a Rola e saltaram
para a carroça. Andei a passeá-los.” A burra divertiu-os mais do que o
castanheiro — o pai de Laureano dizia que os avós já o tinham conhecido
assim, de grande. “Só ele carregava um camião [de castanhas]. Hoje é o
filho que dá mais.” “E vocês deviam ter entrado no terreno”, diz. “Toda a
gente o faz.”
Fernanda Marques, a proprietária, há-de
confirmá-lo. Aparece pouco depois e fica visivelmente feliz com o
“protagonismo” do seu castanheiro. No terreno onde ele está — “é só
abrir assim, vêem?” — tem a surpresa do dia, em dois andamentos. “Ah, a
égua pariu!... Que engraçado, que giro! O meu neto vai gostar”; “Que
susto! Pensei que paria daqui a dois meses. Se não fossem vocês só sabia
à noite.”
De longe, o castanheiro é monumental
pela copa alta e ampla, de perto a essa sensação soma-se a da solidez do
tronco que são já dois juntos — a do tal “filho” que agora produz mais.
“Este dinossauro” — é Fernando Marques, o marido, que entretanto se nos
junta, que o diz — “produz na parte velha castanhas longal e no filhote
côta”. Sabe bem do que fala este agricultor que durante 28 anos foi
presidente da junta de Tresminas: possui vários soutos. “Fazemos
plantação em todos os terrenos. Para apanhar castanhas ainda arranjamos
pessoal, para lavrar é que não”, explica a mulher, Fernanda.
Neste terreno, além do castanheiro
multissecular, há outros, uns mais antigos e outros “acabados” de
plantar, que é como quem diz, há quatro anos (“este ano já vão dar
mostra do que são”). “Nascem bravos e fazemos enxerto do que queremos” —
estes novos são todos de castanha judia, “a que enche mais olho”.
Contudo, foi pelo velho castanheiro que compraram o pedaço de terra. O
filho, que estudou na UTAD, trazia muitos amigos para o ver, mas quando a
antiga proprietária começou a levantar problemas decidiram fazer uma
oferta — e agora é o nome de Fernando Baptista Marques que figura na
placa de identificação que está no castanheiro juntamente com as
características que o tornam especial. Fernando Marques acredita que ele
terá sido plantado por romanos, que em Tresminas tiveram a maior
exploração mineira a céu aberto da Península Ibérica, mesmo que estudos o
contradigam. “Falei com biólogos. Do que eu ouvi, os romanos
trouxeram-nos para aqui, mas os castanheiros de hoje já não seriam da
época deles. Eu atiro este para os romanos: o meu avô dizia que isto
demora tanto a fazer como a desfazer. Já viram a toca [cavidade] deste?”
Fernando adora castanheiros, gosta de
caminhar entre eles e ainda se deslumbra quando passa pelos poucos
castanheiros bravos nesta região DOP de Paradela e os vê floridos.
“Ainda há pouco tempo vi um à saída de Granja e disse à minha mulher que
merecia uma fotografia.” Estava com as “candeias acesas” — as flores
abertas. “São autênticos monumentos, para quem gosta de árvores.” Ao
seu, já veio mais gente vê-lo, camionetas, cheias, conta Fernanda. Vale a
pena — afinal, castanheiros com esta idade são raros, já que a doença
da tinta e o cancro do castanheiro dizimam exemplares monumentais por
todo o país.
Eucalipto | Contige, Sátão
“Quem vê ao longe não diz o que é”,
dissera-nos Ana Isabel Garcia, ao balcão da Padaria Rabiscos Doces. O
nosso avistamento, do cimo da estrada de casario baixo, desmente-a. É
verdade que há algo de cinematográfico quando nos aproximamos, como se
este ganhasse uma dimensão mais medível; contudo, ao longe já assoma
como uma presença imponente, para onde convergem todas as atenções. Está
na desembocadura da rua, onde ela se bifurca, com uma copa tão grande
que parece que a fecha. Não há qualquer placa a identificar o eucalipto (Eucalyptus globulus
Labill) que aqui se ergue como uma “árvore monumental”, protegida por
lei. “É o que achamos que falta”, avisara Ana Isabel, “nós aqui sabemos,
mas crescemos com ele, nem nos apercebemos do que temos. Há quem não o
valorize.”
O seu tronco parece que ganha vida
quando estamos junto dele, uma parede rugosa, com dobras, e ramos que
dele partem para compor uma cobertura frondosa, fresca. Mas é também
junto do tronco, que à altura do peito tem um perímetro de 11 metros (o
que o torna um dos mais grossos de Portugal), que percebemos que está
maculado como se fora um placard de anúncios, no caso das festas do
nosso querido Verão. É normal, diz-nos José Carlos, da vizinha
Travassinho, que pára o seu Opel Astra negro modelo antigo quando nos vê
em volta da árvore. “Já fizemos a experiência de abraçar a árvore”,
conta, “sete homens num cordão humano, há 10 anos”. Sim, é histórica,
ele sabe-o: “Mas já tivemos um carvalho monumental, aqui perto, e um
empreiteiro descarregava areia do mar e secou-o”, remata.
O eucalipto de Sátão está bem vivo. “Em
Dezembro, Janeiro, Fevereiro está a florir e o cheirinho... Nem preciso
de aspirina para gripe.” Quem o diz é Maria de Fátima, a atender os
clientes ali na vizinha Agrofertil, a dois passos da casa onde vive com o
marido há 14 anos, desde que regressaram da Alemanha, voltada para o
eucalipto. “Estou rodeada de eucaliptos”, brinca. Sabe, contudo, que
aquele é especial, “é protegido” e até já teve “um senhor do ambiente” a
pedir-lhe que avisasse as autoridades sempre que alguém lhe colocasse
pregos ou agrafos. “Nunca o fiz.”
As histórias que conhece do eucalipto
são quase todas ouvidas do seu marido, 57 anos, que “em pequenino” ali
brincava, “metia-se dentro do tronco, num buraco”. É que, continua, “por
baixo tinha o dobro da largura”, antes de ter sido feito o aterro para a
estrada, que era de terra batida e agora é de alcatrão. Sabe também que
o padre da freguesia sempre foi um cuidador informal do eucalipto.
“Quando alguém fazia um furo para poço avisava ‘Vejam lá se não apanham
nenhuma raiz do eucalipto’ e antes, quando o autocarro ali parava e as
pessoas acendiam fogo sob a árvore para se aquecerem, o padre dizia para
não o fazerem.”
O marido sempre se lembra do eucalipto
assim, tal como hoje o vemos; Maria de Fátima crê que está mais bonito,
com as pernadas secas limpas, as folhas velhas limpas. A única coisa que
fazia de diferente era uma rotunda onde a árvore pudesse exibir-se como
um diamante num anel. “A câmara sabe o que tem aqui”, considera, até
passam rotas de caminhadas pelo eucalipto. Franceses, alemães, suíços
são os que mais o visitam — palavra de Maria de Fátima.
Eucalipto | Mata Nacional de Vale de Canas, Coimbra
Quando, numa madrugada de Agosto de
2005, as chamas invadiram a cidade de Coimbra, uma das suas portas de
entrada foi a Mata Nacional de Vale de Canas. O incêndio terá consumido
80% da área da mata nacional e quem viu o antes e o depois não esquece.
Cacilda, funcionária do ICNF, a trabalhar aqui há quase 20 anos,
continua a limpar e a cuidar de tudo, agora sozinha, e não tem dúvidas
de que para ela o especial aqui são as árvores que se estão a
desenvolver, as que ela plantou. De tesoura e enxada sempre à mão,
confessa: “Pensei que demorasse mais. A gente plantou muito e também
houve sementes que depois cresceram, que ficaram na terra.” Por isso,
sabe indicar-nos o caminho para o eucalipto (Eucalyptus diversicolor F.
Muell) que é a “estrela” da mata — estrela mas pouco, porque apesar dos
72 metros de altura lhe darem o estatuto de árvore mais alta de
Portugal (alguns dizem mesmo da Europa) não tem qualquer sinalização e
chegar até ele é uma mini-aventura —, embora o faça com alguma
indiferença. Confessamos que não fora a ajuda de um passeante matinal
talvez não o encontrássemos. É que da área ajardinada que nos recebe ao
eucalipto há zona florestada pelo meio e as indicações que um quadro de
informação nos dá não são claras.
Agradecemos, portanto, a gentileza de
estranhos que nos leva até ao corte na estrada — entre o jardim e esta
zona passa uma estrada — a partir do qual só temos de descer entre
curvas apertadas em caminho de terra batida. Cacilda havia falado do
“tanque-piscina” que será quase o X na nossa busca pelo tesouro. Está
num largo em frente a ele, com uma araucária ao lado, dissera-nos. O
carro fica junto de uma mesa de piquenique, a (aparentemente) única
sobrevivente do incêndio: o tanque está um pouco à frente, pedra gasta e
água verde escura; do outro lado uma clareira onde o X é um I gigante,
tronco escamado com longas tiras a penderem, largo na base e
estreitando-se à medida que a ramagem se multiplica — nunca se abre em
copa, os seus ramos demasiado curtos para tal, carregados com folhagem
que aqui de baixo, com o sol a bater-lhe, até parece negra.
“Infeliz ou felizmente nunca teve
identificação”, diz-nos a figura primeiro imóvel, minúscula ao seu lado,
contemplando o vale, mata densa e de verdes variáveis. Bruno Vilas
trabalhou na limpeza da mata durante muitos anos e a sua tese de
licenciatura até foi sobre o Vale de Canas mas hoje está aqui de férias.
Já não vinha há uns anos, veio em modo caminhante, com um “cajado” e
tudo. “Gosto da mata, da paz de espírito extraordinária.” Sobretudo num
dia de semana, diz, ao fim-de-semana há muita gente do geocaching,
“que pergunta pelo eucalipto mais alto”, e do BTT, “porque há muitos
trilhos por aqui” — parecem-nos invisíveis, mesmo quando ele aponta um
carreiro onde antes do incêndio havia um parque de merendas.
“Este eucalipto é de origem
australiana”, explica, e foi plantado há cem anos, antes não existiam
eucaliptos aqui. “Fizeram praticamente uma barreira”, conta, “mas a
maior parte já não são dessa altura, também arderam. Estes são
exemplares únicos”. Foram os eucaliptos que o rodeavam, e que começam
novamente a rodeá-lo, que obrigaram este eucalipto a crescer tanto em
altura, “para competir pela luz”, há-de explicar-nos Pedro Santos, da
associação Árvores de Portugal. Apesar deste eucalipto e de outros que
também chegam aos 70 metros (um aqui perto deixou-nos, aliás, na dúvida
quanto ao maior), da floresta e do jardim (com parque infantil, centro
de interpretação, parque de merendas, churrasqueira e pontos de água) no
patamar superior, “aqui em Coimbra é mais conhecida a Mata do Choupal”,
nota Bruno Vilas. Não demonstra importar-se com isso quando novamente
põe pés à estrada e sobe o caminho de terra batida, erguendo-se
lentamente sobre o mar de árvores que parecem todas ter um tamanho
invulgar, como se este fosse um vale especialmente fértil. Ou encantado.
Plátano | Quinta da Fôja, Santana, Figueira da Foz
É nome de aldeia, mas também é nome de
propriedade e, na verdade, antes da aldeia houve mesmo a Quinta da Foja,
pertença de frades crúzios desde o reinado de D. Afonso Henriques.
Quando as ordens religiosas foram extintas, a propriedade foi vendida,
com excepção das zonas de floresta, que ficaram nas mãos do Estado. Mas
não é a floresta que nos traz a estas paragens: o plátano (Platanus orientalis L. var. acerifolia
Aiton) que buscamos está na propriedade privada. Melhor, está na parte
mais privada da propriedade, num jardim delimitado pelos edifícios
principais da casa.
À volta os campos estendem-se a perder
de vista, sobrevoados por ocasionais flamingos e cegonhas (há um ninho
num poste de electricidade mesmo à entrada da quinta). Máquinas colhem
batatas, mas a maior produção aqui é de arroz — é um dos maiores
produtores do Baixo Mondego e já deu emprego a grande parte da população
da vizinhança. “Produzia-se tudo, até vinho”, confirma Emília Lourenço,
funcionária da quinta e guia improvisada. O seu escritório está na
órbita da casa principal: um portão dá acesso a este espaço, delimitado
por edifícios baixos que foram dependências agrícolas, uma capela
(dedicada a Nossa Senhora da Conceição com a campa do prior geral da
Congregação Crúzia) e com a fachada austera, com duas torres quadradas, a
tutelar tudo — no centro, um relvado imenso sem árvores.
Não é comum receber-se pedidos para
visitar a árvore cuja copa ocupa todo o espaço livre no quadrado
ajardinado por detrás da “casa grande”: o tronco está no centro, a
partir dele desenham-se caminhos entre canteiros de hortênsias e jarros
delimitados com buxo. Não é o plátano mais alto de Portugal, mas é o
mais grosso e o que apresenta, provavelmente, o maior volume de copa,
tornando-o no mais majestoso. Esta é a informação que a Árvores de
Portugal nos compilou: a majestade está lá, com a copa a subir, carnosa e
verde escuro, falta apenas alguma amplitude à nossa visão — é
impossível porque há edifícios a toda a volta (ao longe, da
auto-estrada, iremos ver parte da copa por detrás de telhados).
Temos sorte: parte da família, que não
vive aqui a tempo inteiro, está na casa, mas noutro jardim. Muitas
vezes, fazem churrascos neste jardim, à sombra do plátano, uma das
pernadas a servir de suporte para um baloiço, corda a segurar uma tábua
de madeira, virado para as cavalariças, outras apoiadas em escoras. Tem a
companhia de magnólias (uma tombou durante um temporal) e até uma
nespereira e uma laranjeira (laranjas azedas que são utilizadas para
compotas) dificultando destrinçar umas copas das outras — o resultado é
uma frescura impenetrável.
Pinheiro-bravo | Mata Nacional de Leiria, Talhão 273, Parcela A, Marinha Grande
Os nomes pelos quais é conhecido são
por si só evocadores: pinheiro-serpente, pinheiro-rastejante. É, na
verdade, um pinheiro-bravo (Pinus pinaster Aiton)
que a proximidade com o litoral desenhou com formas caprichosamente
rasteiras ao solo: o vento que sopra do mar ali ao lado, a salinidade do
solo, condicionaram o seu crescimento, que é uma perplexidade da
natureza perante a sua própria resistência e adaptabilidade. Há um,
aquele que buscamos, que se destaca pela complexidade estética; mas
garantimos que não é o único “rastejante” destas matas, as formas
excêntricas não são incomuns nas redondezas.
A neblina que deveria ter sido só
matinal afinal acompanha todo o dia no litoral centro português. Está um
“dia atlântico” quando seguimos com o mar ao lado, serpenteando entre
este e pinhais — não uns quaisquer, o mítico pinhal de Leiria, ou pinhal
do rei (na verdade, Mata Nacional), que a tradição diz ter sido mandado
plantar por D.Dinis e fornecido a matéria-prima para as caravelas
portuguesas. De qualquer forma, está um dia apropriado para mitos e
Fernando Pessoa, na suaMensagem,
vem-nos à cabeça, quando fala do “plantador de naus a haver”, que
escuta o “rumor dos pinhais”, que são como “o trigo de um império”: “É o
som presente desse mar futuro,/ É a voz da terra ansiando pelo mar.”
É pela Estrada Atlântica, então, até
uma placa nos desviar por um caminho de terra batida: “pinheiro bravo”,
lemos num relance só a confirmar o que as coordenadas GPS nos dizem. São
elas que nós levam até ao pinheiro exacto, já que não surge mais
nenhuma informação e pinheiros bravos é o que mais há aqui, invadindo
tudo para lá do caminho que desemboca num areal. Este pinheiro, contudo,
é um prodígio de formas, como se moldado por uma criança de
criatividade hiperactiva. E indecisa: numa parte vemos uma cabeça de
polvo com olhos semicerrados, noutra um crocodilo de olhos arregalados;
ali está um elefante bebé com a tromba enrolada e aqui, só agora
reparamos, está um dragão sem rosto, só mandíbulas; os chifres de um
veado destacam-se para cima, mas os olhos voltam inevitavelmente ao
solo, porque noutro ângulo descortinamos o monstro do lago Ness e logo
atrás uma jibóia saciada.
Sim, é impossível a nossa imaginação
não soltar amarras, como quando seguimos nuvens que pintam o céu,
perante esta imagem. Mas aqui não tiramos os olhos do solo, seguindo o
tronco rasante, que se bifurca amiúde, desvendando arcos e curvas; as
raízes são várias, misturadas, não lineares, e a ramagem, numa e noutra
extremidade, é quase irrelevante. Mas ainda conseguimos imaginar um
guarda-sol numa delas.
Freixo | São Salvador da Aramanha, Portagem, Marvão
Marvão mira-nos imperturbável do seu ninho de águias, porque aos seus pés nos detemos. A alameda de freixos (Fraxinus angustifolia
Vahl) no lugar de São Salvador da Aramanha (Portagem) na estrada 246-1
(que liga Marvão a Castelo de Vide) é o motivo: 1,1 quilómetros com
exemplares de 200 anos, altos (e altivos). “De noite parece outra
coisa”, avisa Guilhermino Fernandes, “a cuidar de árvores há 30 anos”.
Encontramo-lo com o colega José Campinho a cuidar dos freixos, agora sob
alçada das Estradas de Portugal, empresa de que eles são funcionários.
Guilhermino está pintá-los: balde de cal no chão, escova na mão, de
cima-para-baixo-de-baixo-para-cima, a preencher uma lista bem larga no
tronco — “Se não estiver pintado não chama tanto a atenção”. José,
machado na mão, anda agora a limpar os troncos, a cortar-lhes os
“raminhos” que vão nascendo e tirando-lhes força — “além de que fica
mais bonito, mais certinho”.
Andam há seis ou sete dias neste
trabalho. “De ano a ano fazemos este serviço, sempre no Verão”, contam.
“Isto teve uma intervenção grande aqui há dois anos, mas já está a
precisar de mais”, notam. José aponta para o alto de alguns freixos:
“Aqueles raminhos também deviam ser cortados, mas não posso.” Ou melhor,
poder até pode, mas tudo “supervisionado por técnicos”.
De vez em quando caem pernadas, mais
uma vez apontam um freixo, com uma parte seca, outros, com os temporais,
caem ou racham-se a meio (“não é normal, mas acontece”) e há dois anos
tiveram de ser abatidos 35. Plantaram-se alguns, que se distinguem bem
entre a imponência dos troncos altos, alinhados como que criando uma
ilusão óptica de simetria que é, realmente, acentuada pelas listas
brancas ainda frescas. Os jovens têm troncos mais finos do que os ramos
mais finos destes freixos de 200 anos e estão envoltos num plástico
verde que os protegem. Ainda assim, e embora tenha sido utilizado um
“material próprio para manter as árvores frescas antes de começarem a
pegar as raízes”, alguns “não aguentaram” e são agora espaços em branco
na sucessão de troncos. Outros espaços vazios são opção: a estrada aqui é
demasiado estreita para as exigências modernas — e esta via, que liga a
Espanha, até tem muito trânsito, camiões incluídos. Assistimos a várias
situações complicadas quando se cruzam viaturas e foi a pensar nestas
ocasiões que não se substituíram algumas das árvores mortas, criando-se
espaços de escapatória.
Com todas estas vicissitudes, que são
ameaças à sua sobrevivência — a que chegou a somar-se a construção de um
campo de golfe, entretanto abandonado (e irreconhecível), que gerou
polémica pelo impacto que poderia ter nas árvores desse lado —, a
alameda mantém 258 freixos. Não os contamos, confiamos em José. É um
postal turístico da região e o efeito que cria talvez a torne na alameda
mais fotografada de Portugal, diz quem sabe. Herança de um tempo em que
“a extinta Junta Autónoma de Estradas tinha preocupações paisagísticas,
traduzidas num plano de arborização das nossas principais estradas”,
sublinha Pedro Santos.
Sobreiro | Montargil, Ponte de Sor
Vemo-lo como se fora um bonsai gigante:
o tronco largo, os ramos a comporem um bouquet de muitas copas a
juntarem-se numa só (24 metros de diâmetro). Fôramos nós gigantes e
cuidaríamos dele com todo cuidado, podando aqui e ali para que
mantivesse a sua forma. Como não somos gigantes, e o sobreiro (Quercus suber
L.) de Montalvo (em Montargil, Ponte de Sor, a espreitar a albufeira e a
escutar badalos de rebanhos ao longe) nem sequer precisa de cuidados,
contemplamo-lo apenas, em quieta admiração pela sua atitude soberana
perante o montado em redor. Está protegido por uma cerca de arame
farpado, que evita que o gado da herdade (está em propriedade privada)
onde se encontra procure a sua sombra para apascentar, desgastando assim
o solo onde as suas raízes mergulham há 500 anos. Mergulham e já rasgam
o solo, na verdade: da sua base, já com cavidades, saem raízes
descobertas.
Não sabemos se é um dos motivos para a
sua notável saúde, mas, pelo que é de conhecimento público, este
sobreiro constitui uma excepção não só pela idade, como também pelo
facto de nunca ter sido descortiçado. Num país que tem no sobreiro a
árvore nacional, não faltam exemplares notáveis. Mesmo aqui em
Montargil, por exemplo, encontra-se o sobreiro escolhido para a
sequenciação do genoma desta espécie, no âmbito do projecto GenoSuber,
que vai permitir descobrir indicadores que ajudem a melhorar a produção
de cortiça. Esse sobreiro tem entre 120 e 150 anos e está na Herdade dos
Leitões que, coincidentemente, dá título a uma das obras do engenheiro
silvicultor Vieira Natividade, tido como um dos grandes especialistas do
século XX em ciências florestais (nomeadamente na cultura do sobreiro),
Devotion Subericale - Les Herdades de Leitões et Montalvo
(1960). O sobreiro de Montalvo, contudo, do alto dos seus 500 anos,
cheios de vitalidade e beleza cénica, é o exemplar que faz a capa da
obra.
Oliveira | Serpa
Chegar a Serpa à procura de uma oliveira (Olea europaea
L.) milenar não é tarefa fácil. Não porque estas sejam raras: o
problema é precisamente esse — são várias as que se encontram na cidade.
E isto sem falar nos olivais em redor, que continuam a ostentar vários
exemplares seculares e milenares, apesar de uma certa razia nos últimos
anos. É que se têm perdido muitos exemplares, repetem-nos junto da
estátua Abade Correia da Serra, botânico e diplomata do século XVIII,
fundador da Academia das Ciências de Lisboa nascido em Serpa, que tutela
um pequeno jardim onde estão duas oliveiras classificadas em 2001. “De
vez em quando, passam camiões TIR com as árvores”, conta Manuel Zarcos,
no Café Cantinho do Jardim, “os espanhóis pagam bastante por elas”.
Haveremos de voltar a ouvi-lo de José Neca, sentado num dos bancos da
alameda, vista directa para as oliveiras: “Em Espanha é proibido
arrancar estas oliveiras.”
Neste pequeno jardim há três oliveiras,
ainda que só duas sejam classificadas, as que estão viradas para a rua,
cada uma do lado do busto. A mais próxima, do seu lado direito tem uma
copa viva sobre um tronco largo e aberto, com rebento — e é como se esse
estivesse a abrigar o progenitor, tronco tão ondulado que é rugoso mas
ao mesmo tempo suave. A do lado esquerdo tem menos copa, o tronco é
menos largo mas tão aberto e “escavado” como o da primeira. A terceira
oliveira, não classificada, por detrás do busto, é a que tem a forma
mais excêntrica, um tronco com tendências horizontais, torcendo-se e
retorcendo-se antes de se erguer, timidamente, numa copa pouco
abundante.
A ironia é que estas oliveiras — como
as que encontramos junto do aqueduto e da Praça 25 de Abril, igualmente
milenares — também foram elas transplantadas quando se fez o jardim. “Há
velhotes que sabem de onde vêm, quem as trouxe...”, diz Manuel Zarcos.
José Barrocas é um deles. “A mais grossa veio de um olival à saída de
Serpa, a caminho de Moura, aqui a dois quilómetros. A outra veio da
herdade da Bemposta...” Não sabe em que ano: “Eu tenho 70 anos, não faço
uma pequena ideia, mas lembro-me de virem [as oliveiras], de não
haver.” José Neca não tem ideia da data do transplante destas oliveiras,
mas das do aqueduto sim, “foi há 20 ou 30 anos, fiz fotografias” (que
há-de mandar-nos). Na verdade, as oliveiras do aqueduto foram
transladadas em 1978, 20 anos depois destas daqui da alameda, que foram
trazidas pelo engenheiro silvicultor Pulido Garcia, também daqui de
Serpa (que dá nome ao jardim público murado mesmo em frente ao jardim
das oliveiras). Também a oliveira mais grossa de todas as que
encontramos em Serpa, na Avenida 25 de Abril, foi transplantada e esta
foi a última a ser classificada em Serpa (a sexta), em 2010, por
proposta da associação Árvores de Portugal. “Estas oliveiras despertam
em nós sentimentos contraditórios”, explica Pedro Santos, da associação,
por email. “Sendo organismos magníficos, por norma somos contra o seu
transplante, salvo nos casos em que as mesmas estivessem condenadas à
destruição, devido, por exemplo, à construção de uma estrada.” A posição
da associação é de defesa da manutenção destas árvores no seu habitat
original, pois aí possuem mais valor, biológico e paisagístico.
Em Serpa, as novas gerações não têm
ideia da idade das oliveiras com que se vão cruzando todos os dias, como
pudemos comprovar. “As pessoas já não reparam. Nasceram e cresceram com
isto”, justifica Manuel Zarcos, “vai dizer-lhes que uma árvore tem mil
anos e vão dizer que é uma treta”. Os ingleses é que chegam a perguntar
pelas árvores antigas, conta. “São árvores que viram passar os romanos.”
Alfarrobeira | Moncarapacho, Olhão
“Há ali um cruzamento onde há muitas
[alfarrobeiras], quando há ventinho o cheiro é inconfundível... Agora
com 600 anos, não conheço.” Na recepção do Hotel Colina Verde, em
Moncarapacho (Olhão), são vários os funcionários que nos tentam ajudar,
mas o desconhecimento, mesmo entre os que são da terra, fala mais alto.
“As pessoas daqui não dão muita importância”, dirá José Martins Dias, o
proprietário da quinta onde encontramos a alfarrobeira (Ceratonia siliqua L.)
de 600 anos, a maior referenciada no nosso país — “por exemplo, há uma
praia ali na Fuseta com bandeira azul e ninguém sabe”. Os primeiros que a
vieram ver foram japoneses, há dez anos, recorda. De então para cá, vão
aparecendo algumas pessoas, de vez em quando, e um dia veio até um
grupo grande de Portimão, de uma associação relacionada com árvores.
“Creio que a antiguidade, a pequenez do homem perante ela, criam uma
sensação especial. O homem não está habituado a isso, somos sempre
grandes. E quando olhamos para uma coisa viva faz-nos pensar, não é um
castelo, imóvel.”
Não é um castelo mas parece uma
catedral, este gigante benigno, que continua a dar fruto e sombra mais
do que abundante: a sua copa é alta e ampla, os seus ramos vêm até cá
baixo e parece mesmo que entramos num espaço fechado. Fechado mesmo é o
tronco, largo e oco, onde o pai de José conseguiu uma vez enfiar 10 ou
11 jovens. “Ali dentro está muito mais fresquinho”, brinca José Dias,
que já imaginou histórias em que alguém entra na árvore e ela se fecha,
num abraço apaixonado. Claro que brincava ali quando era miúdo e
recorda-se de pessoas que ali dormiam — agora, a alfarrobeira é o lar de
um casal de ginetas, conta.
A alfarrobeira por estes dias é um
gigante num pomar de laranjeiras onde se encontram ainda outras dez ou
15 alfarrobeiras “mais novinhas”. Antes havia amendoeiras, oliveiras.
“Quando fiz este projecto, queriam que só tivesse laranjeiras, mais
nenhuma outra espécie. Queriam que arrancasse as outras alfarrobeiras.
Recusei-me. Têm mais de cem anos, há que ter respeito.” A grande, pelo
menos, não exige muita manutenção (às vezes cai uma pernada, a última
terá sido há cinco anos). “Tem sobrevivido por si própria. E já cá está
há muito. Penso que viu os árabes.” Talvez não tenha visto os árabes mas
é uma raridade biológica entre as alfarrobeiras, que poucas vezes
atingem estas dimensões: o seu perímetro pelo peito, mais de 13 metros,
fá-la competir com exemplares de outras espécies, como o castanheiro ou o
eucalipto, no top das árvores mais grossas de Portugal. Um colosso, portanto - e belíssima.
Texto: Andreia Marques Pereira