Estou convencido que enquanto houver pessoas como a Rosa, autora do Blog de Cheiros, as árvores de Lisboa não serão abatidas sem luta. Enquanto houver pessoas que não se resignam, as árvores de Lisboa não morrerão sozinhas...
Um assunto pessoal de interesse público
Conheço-a muito bem. Na Primavera, só quando a maior parte das árvores já nos apresentou as novas folhas é que ela se digna a acordar, primeiro, como quem se espreguiça depois de um longo sono, floresce timidamente, depois à medida que o tempo vai aquecendo enche-se de folhas e generosamente dá-nos uma das sombras mais bonitas de que alguma árvore é capaz. Cumpre sempre o Outono com devoção, nessa altura as folhas ganham novos tons e enfeita-se de grandes bolas verdes onde estão cuidadosamente protegidas as suas nozes (a quem ninguém, sem ser ela, dá valor porque são intragáveis) e, mais uma vez, desafia as regras estabelecidas largando as últimas folhas muito mais tarde do que as árvores bem comportadas. No Inverno, despida, não perde a dignidade, e resiste estoicamente a ventos e tempestades (este ano durante a grande tempestade de Janeiro não se partiu nem um ramo). É a Nogueira-negra da minha janela (Juglans nigra) e custa-me imaginar a vida sem ela.
Há dois dias surgiram as primeiras flores em elegantes amentilhos,
timidamente surgiram também algumas novas folhas ainda muito pequeninas,
reparei nelas e fiquei contente pela promessa de cor e sombra que
representam. Hoje de manhã reparei que lhe estavam a afixar uma placa e a
delimitar o estacionamento na zona, pensei que preparavam uma poda
camarária e fiquei logo preocupada - mau timing, podar árvores em plena
floração e quando as folhas se preparam para nascer - abordei os
funcionários da CML que estavam no local e pedi informações a resposta
foi curta e dura, "isto está tudo podre e vai ser abatido porque é um
perigo". "Isto" são as árvores da minha rua e entre elas está a
Nogueira-negra da minha janela condenada a morrer na próxima
segunda-feira ente as oito da manhã e as quatro da tarde em plena
floração e antes de crescerem as novas folhas.
Não tenho conhecimento de nenhum relatório fitosanitário, não fui (os
meus vizinhos também não) avisada de nenhum tipo de intervenção no
arvoredo da rua e tenho a certeza de que esta árvore não é mais nem
menos perigosa do que todas as outras. Apesar de este ser um assunto
pessoal, o que se anda a passar com as árvores de Lisboa é do interesse
de todos e se não se faz alguma coisa daqui a pouco tempo em Lisboa as
árvores são todas iguais, pequenas, assépticas e descartáveis. Se é isso
que querem, tudo bem, mudo-me eu.
in Blog de Cheiros.
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