O jornal
Público, na sua edição de hoje, publica um artigo sobre o atraso de mais de ano e meio na regulamentação da nova lei de classificação de arvoredos de interesse público. No âmbito deste artigo, o Miguel Rodrigues emitiu a opinião da associação Árvores de Portugal sobre este assunto.
As árvores contêm uma imensidão de vida e podem ser testemunhas da
história de um povo. Podem ter troncos tão largos que é preciso várias
pessoas para os abraçar ou tão finos como um pão de vassoura. Acolhem
ninhos das aves e mais uns quantos bicharocos, as suas folhagens são
esvoaçantes. Algumas, pela beleza, raridade, pelo tamanho, idade, forma
ou factores históricos e culturais, podem ser classificadas como
monumentos-vivos, ficando protegidas de várias ameaças. No entanto,
desde 2012, quando foi publicada a nova lei sobre arvoredo de interesse
público, que estas árvores estão desprotegidas — porque a nova
legislação continua à espera de regulamentação.
“Constituem um património de elevadíssimo valor
ecológico, paisagístico, cultural e histórico, em grande medida
desconhecido da população portuguesa”, assim descreve o Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) as árvores de interesse
público no seu site.
Ainda do tempo do Estado Novo, a lei
portuguesa que passou a proteger estas árvores — de 1938, a mais antiga
da Europa sobre esta questão, esteve em vigor até 2012. “O arvoredo,
que constitui interessante moldura decorativa dos monumentos
arquitectónicos e valoriza grandemente as paisagens, é por vezes
impiedosamente sacrificado, sendo de esperar que a protecção que lhe for
dada pela pelo Estado frutifique e seja seguida pelos particulares”,
mencionava o decreto-lei de 1938.
Há quase dois anos, para
actualizar e reduzir as limitações da antiga lei (Decreto-Lei nº 28
468), considerada muito genérica e de difícil interpretação, foi
aprovada uma nova legislação (Lei nº 53/2012), publicada em Diário da República
a 5 de Setembro de 2012. Apesar de ter 60 dias para ser regulamentada, a
nova legislação ainda hoje continua à espera desse passo da parte do
Ministério da Agricultura e do Mar (MAM).
Actualmente, estão classificadas 472 árvores isoladas e 82 arvoredos (informações sobre elas podem encontrar-se na base de dados do ICNF).
Como a nova lei revogou a antiga, todas estas árvores e arvoredos têm
estado em perigo. “É uma coisa que nos preocupa seriamente. Há um vazio
legal, porque a nova lei revoga a lei anterior. E também não se pode
aplicar este decreto, porque não está regulamentado”, alerta o biólogo
Miguel Rodrigues, um dos fundadores da Associação Árvores de Portugal,
em 2009, e professor do ensino básico. “Assim que regulamentarem a lei,
as árvores voltam a estar protegidas.”
Porém, o MAM nega esse
vazio legal. “Não é verdade que com a publicação da nova lei o arvoredo
classificado tenha ficado desprotegido ou que seja dificultada a
classificação de novos exemplares. Os estatutos de protecção mantém-se”,
diz o ministério, por escrito, acrescentando que a futura
regulamentação irá “definir aspectos do procedimento administrativo, que
concretizam as soluções já previstas na lei”.
Mas no texto da
nova lei está dito que a futura regulamentação (uma portaria) é que irá
definir os critérios de classificação e o regime de inventário, quais
“as intervenções proibidas e todas aquelas que carecem de autorização
prévia do ICNF”, bem como as contra-ordenações e sanções. Uma resolução
da Assembleia da República, de 21 de Março de 2014, já recomendou ao
Governo que procedesse, “com urgência, à regulamentação da Lei
nº53/2012”.
Petição pelos monumentos-vivos
Entre
estas árvores que são monumentos-vivos está o plátano da Quinta da
Abrigada, em Alenquer, classificado logo em 1939 por ter um “porte
majestoso e aspecto monumental”. Há oliveiras milenares, como a de Santa
Iria da Azóia, com cerca de 2850 anos, a de Monsaraz com 2450 anos e a
de Pedras D’el Rei, em Tavira, já conhecida e destronada do título de
“mais antiga”, uma vez que “só” tem 2210 anos.
Ou, ainda, o
eucalipto mais alto da Europa (72 metros), em Coimbra; um castanheiro de
Vila Pouca de Aguiar, com 14,4 metros de perímetro; o carvalho mais
antigo de Portugal, em Póvoa de Lanhoso; e até a azinheira das aparições
de Fátima em 1917.
Intervenções em árvores de interesse público
têm de ser comunicadas às autoridades e o corte do tronco, ramos ou
raízes são punidos. Mas agora isto pode passar impune.
Um desses
episódios ocorreu este ano, em Ponte de Lima, na Avenida dos Plátanos,
que, segundo a sua classificação, é “uma magnífica alameda de 83
plátanos de grande porte e valor ornamental”. Apesar de dois dos seus
plátanos já se mostrarem fragilizados, e necessitarem de uma
intervenção, Miguel Rodrigues relata que o corte da copa destas árvores
não ocorreu nas devidas condições, deixando-as instáveis.
“Qualquer
intervenção numa árvore classificada — dizia a lei antiga e diz a nova —
não pode ocorrer sem que sejam informados os serviços florestais. E tem
de estar um técnico presente para aprovar a intervenção”, refere o
biólogo.
Uma intervenção sem acompanhamento pode afectar a saúde e a
longevidade de uma árvore classificada, bem como a sua estabilidade,
pondo em causa a segurança das pessoas.
Qualquer um de nós pode
propor a classificação de uma árvore, tanto numa propriedade pública
como privada. Como a actual situação da nova lei, na prática essa
classificação está parada. “Há pelo menos umas dezenas de árvores por
classificar neste momento”, diz Miguel Rodrigues. “Nos últimos anos,
apesar de haver cada vez mais pessoas atentas a estas árvores, vimos que
há menos interesse dos serviços centrais e dos serviços florestais para
este assunto.”
Para chamar à atenção do público para o problema, a Árvores de Portugal, com outras associações, lançou uma petição online.
Até esta quarta-feira tinha mais de 2000 assinaturas. “Cuidar deste
riquíssimo património natural é, na nossa opinião, mais do que um
imperativo legislativo, uma obrigação moral, de forma a preservar a
memória do passado e garantir o seu futuro”, lê-se na petição.
Para Miguel Rodrigues, o futuro destas árvores é por ora incerto.
Marta Lourenço; texto editado por Teresa Firmino