terça-feira, dezembro 11, 2007

A minha montanha e a dos outros

Aproveitando que hoje, dia 11 de Dezembro, se comemora o Dia Internacional das Montanhas, decidi publicar (com algumas alterações) um comentário que deixei num texto do Cântaro Zangado (que por sinal, com 2 aninhos, está de parabéns!):


Somiedo, Astúrias (Espanha), Agosto de 2007



Valle del Lago é uma aldeia de montanha nas Astúrias; é mesmo uma "aldeia de montanha", não foi criada por decreto, por cartaz (tipo outdoor) ou por "acto consumado" (entenda-se, por resultado de ocupação ilegal do território).


Em Valle del Lago quase toda a gente vive do turismo; aproveitaram a elevação de Somiedo a Parque Natural e os respectivos fundos comunitários para recuperar as casas de modo a receber turistas (mantendo a arquitectura tradicional das Astúrias, sem imitar a arquitectura nórdica!). Estas casas estão grande parte do ano ocupadas por pessoas que aí passam alguns dias aproveitando para fazer caminhadas e outras actividades.

Por exemplo, a dona da casa onde fiquei hospedado, tem ainda um outro negócio de passeios a cavalo. Os turistas deixam dinheiro que é repartido por grande parte da comunidade, fazem compras no comércio tradicional, compram produtos locais (como a sidra, por exemplo). Acresce que este tipo de turismo de Natureza está em crescimento e que este tipo de turistas têm um poder de compra frequentemente acima da média (e que apreciam os produtos locais).


E isto acontece porque a montanha não foi rasgada por estradas, ou seja, não convida ao turismo de passagem. Os turistas, se querem conhecer a região, têm que passear a pé ou a cavalo, por exemplo; têm que pernoitar e, como ficam mais do que um dia, acabam por movimentar o pequeno comércio local. Porque não há estradas que os levem a todo o lado, não se convida as pessoas a tudo verem num só dia e abalarem, sem sequer sair do carro. Se calhar eles é que estão errados!...



Isto é turismo sustentável; turismo sem enchentes, como deve ser em áreas sensíveis de montanha, ainda para mais sendo Parque Natural e Reserva da Biosfera (tal e qual como uma determinada serra do Centro de Portugal). Toda a gente está feliz com a criação do Parque que melhorou o nível de vida das pessoas, permitiu a criação de novos negócios, ao mesmo tempo que não afectou a conservação da Natureza.

Em Somiedo não existem monopólios turísticos de nenhuma empresa; não há skiparques, bungalows nórdicos, projectos de casinos ou de campos de golfe nos vales (entenda-se, em leitos de cheia...).



Era assim que eu gostava que fosse o turismo na Serra da Estrela; que criasse riqueza, emprego e permitisse fixar as pessoas na região, ao mesmo tempo que garantisse a preservação da Natureza da Estrela: a sua maior riqueza! Em vez disso, temos os monopólios que se conhecem e um turismo cada vez mais massificado, que insiste em rasgar a Serra com cada vez mais estradas.

Isto, aliado a novas vias como a A23 e a A25, faz com que aumente o número de turistas que visitam a Serra da Estrela; mas são turistas que, na sua esmagadora maioria, regressam a casa no próprio dia; não dormem na hotelaria, nem comem nos restaurantes locais. Sim, eu sei que por estes dias, entenda-se Natal, Passagem de Ano e Carnaval, as unidades hoteleiras da região registam enchentes, mas essa porção de turistas corresponde a uma fracção ínfima dos que passam pela Serra da Estrela. E, literalmente, limitam-se a passar!....


Pelo contrário, estes turistas abandonam todo o tipo de lixo e porcaria à sua passagem. Ir à Torre, num daqueles fins-de-semana de início de Primavera, com engarrafamentos monumentais e gente a deitar lixo para todo o lado, pode ser das experiências mais deprimentes que se podem ver no nosso país.

Aproxima-nos culturalmente do 3º Mundo e, não fora ser tão frequente igualmente noutras zonas do país, poderia até ser vendido como pacote turístico: "Torre, PNSerra da Estrela, onde vive a porcaria e a falta de civismo"!


Este turismo de "saco de plástico" é fomentado por todos aqueles que insistem em defender mais e mais estradas e obras perfeitamente megalómanas, como a de ampliar estâncias de esqui a 1900m de altitude no Sul da Europa! Esqueçam o Sr. Bush, na Serra da Estrela vivem os verdadeiros cépticos do aquecimento global!


De volta a Valle de Lago...enquanto bebia um copo de sidra num dos cafés da aldeia, o dono dizia que aquando da criação do PNatural de Somiedo a única coisa que os habitantes locais pediram foi que não asfaltasssem a estrada até aos lagos; tinham medo que isso transformasse os lagos numa lixeira...e assim se fez a vontade das gentes locais, só sobe aos lagos quem gosta de andar a pé, que são os mesmos que "dormem" na aldeia, ou seja, fazem mover a economia local. Dei comigo a pensar que aquele ancião, ainda que provavelmente nunca tendo ido à escola, sabia mais de turismo do que muitos dos que mandam na minha Serra da Estrela. Juro que tive uma vontade genuína de chorar, não tanto pelo estado a que deixámos chegar a nossa Serra mas mais por ainda não termos aprendido nenhuma lição. Nem daqui a 10 anos teremos este tipo de mentalidade...



Longe de mim querer transmitir uma ideia de que tudo em Espanha é perfeito e que tudo em Portugal está errado. Antes pelo contrário!...

Mas, por comparação com o tipo de turismo que se pratica nas zonas de montanha nas Astúrias, por cá estamos ainda na Idade da Pedra da educação ambiental e do turismo sustentável. Por cá, prefere vender-se a ideia de que os ambientalistas querem fazer da Serra da Estrela uma reserva de índios e que estão contra o turismo. Não, a vida não se limita a extremismos, a 8 ou 80. Não estamos contra o turismo, estamos contra o turismo que blogues como o Cântaro Zangado, por exemplo, tantas e tantas vezes denuncia nas suas contradições.



E estamos também contra a ideia que se quer transmitir que o Parque Natural da Serra da Estrela e a conservação da Natureza são os responsáveis pelos grandes males da serra: os incêndios florestais, as construções ilegais, o trânsito desordenado e caótico, os mamarrachos abandonados, o ex-sanatório enguiçado, o lixo por todo o lado ou os esgotos que correm a céu aberto. Na Serra da Estrela, mais depressa se esbarra numa barraca de zinco do que num exemplo concreto de conservação da Natureza.


É triste mas é verdade. Mas não terá que ser sempre assim, pois não?!....


P.S. - Neste dia, não poderia deixar de recomendar esta fotografia.

3 comentários:

Anónimo disse...

Hola Pedro, en Asturias no todo es estupendo en relación al turismo. Hay una zona preciosa en el sur occidente de la región que se conoce por Los Oscos con unas aldeas entrañables y que nuestro gobierno regional está llenando de molinos eólicos para generar energía ... es una auténtica pena. Muy cerca de Los Oscos está Rozadas donde se talaron los tejos ...
A serra da Estrela es un lugar muy deteriorado pero creo que se puede recuperar. Me encanta esa zona, Guarda ... el queijo da Estrela ...
Muchas felicitaciones por el blog, es precioso.

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Olá Ana,

Espero que entendas o meu português.

Creio que somos sempre mais críticos em relação ao sítio onde nascemos; como és das Astúrias identificas mais facilmente o que aí está errado; e eu, como sou da Serra da Estrela, identifico mais facilmente os problemas desta montanha.

No Norte de Espanha (em León mas também nas Astúrias) impressionou-me o impacto das minas na paisagem.

No próximo Verão talvez regresse às Astúrias e, se assim for, gostaria de ir a Rozadas.

Um abraço

Anónimo disse...

Excelente texto. Partilho da opinião do autor!