segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Brincalhões


Efeitos nefastos da eucaliptização (N267, Monchique - S. Marcos da Serra)



O "Público" da última Sexta-feira trazia, com chamada à 1ª página, um alerta (utilizando a expressão do diário) da Portucel: "Madeira nacional só cobre metade da procura das celuloses".

Resumidamente, o problema é o seguinte:

- As florestas (entenda-se por florestas as matas de eucaliptos) nacionais não vão conseguir corresponder às necessidades das celuloses. Resta a importação, mais cara e que oferece menos qualidade.
Parece-me a mim que, mesmo num sector onde Portugal gosta de se considerar na vanguarda, subsistem alguns tiques tipicamente lusitanos, como a falta de planeamento a médio e longo prazo, se não vejamos: primeiro, a indústria anuncia avultados investimentos para aumentar a produção, de seguida apercebe-se que o volume total (de madeira de eucalipto) decresceu em Portugal, nos últimos anos, cerca de 5,4 milhões de metros cúbicos.
Mais uma magistral lição de planeamento e estratégia à portuguesa!

- Claro que a anterior constatação pressupõe a procura de soluções; está bem de ver o que estes senhores propõem: plantar mais eucaliptos. Magistral! Sobretudo se atendermos ao facto de que nos últimos dez anos arderam 119 000 hectares de eucalipto.

Vamos lá a ver se nos entendemos...não vou desatar numa fúria fundamentalista anti-eucalipto, mas há hoje alguns pontos que me parecem inquestionáveis:


- nos últimos anos, a área coberta por eucalipto cresceu desmesuradamente em muitas zonas do nosso país, ocupando, em muitos casos, terrenos sem a mínima aptidão para a espécie e, noutros, ocupando solos de elevada capacidade agrícola;

- o eucalipto promove o despovoamento do que resta do nosso mundo rural (é uma cultura que não exige praticamente nenhum tipo de manutenção e da qual não se retiram outros produtos) e a desertificação dos solos (nomeadamente através de desastrosas técnicas de movimentação de solos aquando da plantação - ver fotos);

- apesar dos milhões gastos pela indústria, nomeadamente na vigilância das matas privadas de eucaliptos, estas têm sido devoradas pelas chamas; num país com um clima mediterrânico, quando o Verão atinge o pico do estio é difícil controlar a situação (em Agosto passado chegaram a ocorrer mais de 500 ignições simultâneas...); claro que a isto se junta, a falta de planeamento florestal e o desordenamento do território (litoral caótico; interior abandonado).

Agora, sejamos honestos...num eucaliptal, dada a elevada produção de óleos essenciais altamente inflamáveis que esta espécie produz, se um incêndio atinge determinadas proporções, nada o detém! Vejam o que aconteceu o Verão passado na Serra de Ossa ou há dois anos em Coimbra! Venham lá os aviões que vierem, só não vê quem não quer ver...

- apesar deste diagnóstico, concordo que a indústria da celulose, os rendimentos que gera para o país e os empregos que promove, são fundamentais para Portugal. Mas esta não pode continuar a procurar sustentar-se no que é, ambiental e economicamente inviável, ou seja, a expansão do eucaliptal no nosso país.

Com certeza que, em certas condições, há espaço para esta espécie em determinados locais mas promover o continuar da expansão desta espécie (nas palavras do "Público" para "solos agrícolas mais férteis...") é não ter ainda percebido nada...depois de milhares de hectares calcinados, de vidas humanas perdidas, não se compreendeu ainda o essencial da questão.

Claro que também não defendo que sustentemos a indústria nacional de celulose com base na eucaliptização de países do chamado 3º mundo (ainda que cada vez mais tenha a certeza de que também pertencemos a esse mundo...).

Se a indústria de celulose tem um problema de sustentabilidade, que arranje os gestores capazes de lhe dar uma resposta à altura e não propondo soluções ruinosas para o ambiente (e para a economia) deste país...a "indústria nacional de piroverões" não precisa de mais ajudas, é já hoje um negócio bem pujante!



5 comentários:

ljma disse...

Logo no dia seguinte em que saiu esta notícia do público, saiu, no mesmo jornal, uma declaração da Federiação de Produtores Florestais de Portugal que dizia que o problema é que as celuloses compravam a madeira tão barata que os produtores preferiam vendê-la a espanhóis. Se é verdade ou não, não sei, mas lá que era o que diziam, era.

Outro assunto, relacionado com este, mas só à tangente, na escandinávia usam madeira de bétula para fazer pasta de papel. Bem sei que as bétulas escandinavas podem não ser como as portuguesas, e que esta árvore não cresce em todo o território nacional. Mas cresce na serra da estrela, desde a base a 700m até aos 1500m ou perto disso. E é também uma árvore de crescimento bastante rápido (em comparação com os carvalhos, pelo menos). Talvez não seja boa ideia, mas, monocultura por monocultura, acho que as encostas de Unhais e Alvoco ficavam muito melhor servidas com bétulas do que a Serra do Buçaco com os eucaliptos...

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

De facto, a maioria das monoculturas (nomeadamente criadas por acção do ser humano) acaba sempre por ter alguns efeitos negativos ao nível da biodiversidade. Mas a utilização de espécies autóctones, como a Betula alba, poderia ser uma das soluções; ou seja, diversificar ao máximo as fontes de madeira.

Claro que não sou ingénuo e sei que as fábricas de celulose nacionais estão preparadas para o pinheiro-bravo e, sobretudo, o eucalipto; e que, reconverter essa estrutura produtiva, custaria milhões...e que provavelmente, a pasta obtida não seria de tão boa qualidade.

Mas não consigo ver outro tipo de alternativa a longo prazo; a monocultura de eucalipto já provou o que tem para dar a Portugal: piroverões.

Penso até que se se apostasse na diversificação e no uso de espécies autóctones, criando bosques ecologicamente sustentáveis, se poderia criar uma marca diferenciadora pela qualidade; sobretudo, num mercado como o europeu,que já valoriza essas questões.

Mas falta-nos essa visão estratégica de médio/longo prazo; só vemos o lucro fácil e rápido e a competitividade pelo preço barato e não pela qualidade (do produto e ambiental).

Acho que, no fundo, mesmo as "celuloses" perceberam já que a monocultura do eucalipto em Portugal se esgotou; penso é que a estratégia vai ser eucaliptizar vastas zonas de África e da América do Sul.

Unknown disse...

O eucalipto foi apresentado como o "petróleo verde " português, aqui há uns anos para justificar a sua plantação em massa.
Primeiro que tudo, acho que se enganaram na cor! Quando arde (o que acontece frequentemente), não é verde, mas sim vermelho !!!
Há ainda outros aspectos que importa focar: o eucalipto empobrece o solo, já que ao ir buscar água a níveis mais profundos, devido ás suas raízes, impede o desenvolvimento de qualquer outra planta; o eucalipto seca os terrenos onde está plantado (é curioso como logo após os grandes incêndios de Monchique, há uns anos atrás, em pleno Verão,que queimaram grandes matas de eucalipto, voltaram a brotar fontes, há muito secas !!!).
Outra informação ainda para terminar: uma plantação de eucalipto é cortada (se não arder entretanto) em cada 8 a 10 anos e volta a rebentar, só que de cada vez que renasce o seu valor económico é inferior ao valor da anterior plantação, porque nascem com mais ramificações e sem o diametro ideal. Isto é de tal forma, que ao fim de algumas séries, o eucalipto deixa de ter valor económico e é abandonado, pois o custo da retirada das raízes profundamente enterradas é excessivo e o solo entretanto já está tão empobrecido e seco, que já pouco ou nenhum interesse económico tem.
Assim se pode ver com o anunciado "petróleo verde" é afinal uma praga de grandes proporções .

antónia disse...

Não andarás tu, meu cabrão, a deitar fogo às serras?

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Cara Dona Antónia (caso seja este o seu nome real);

Poderia ter optado por ignorar o seu "comentário"; e repare que já estou a elevar a sua frase ao estatuto de um comentário.

Poderia apenas ter-me limitado a excluí-lo do meu blogue.

No entanto, todos os blogues, necessitam de um pouco de humor...ainda que delirante.

Devo confessar que não estava à espera de um dia vir a ter a honra de ter uma leitora tão arguta e perspicaz...receio não estar ao nível do seu intelecto!

Confesso que me "apanhou"! É verdade, sou eu o malandro que ando a deitar fogo às serras; já agora, sou também eu o responsável pelas podas das árvores (para depois poder escrever sobre elas); pelo aquecimento global; pela poluição dos rios e pela destruição do litoral...

Se sua excelência assim o desejar, serei eu o responsável por todos os males deste país e do mundo. Apenas recuso a culpa de um deles...o da SUA falta de educação! Por essa, lamento, mas a Dona Antónia terá que procurar outros responsáveis.

Apesar deste pequeno incidente mantenho o desejo de não censurar à priori quem queira escrever um comentário neste blogue...todos têm direito à sua opinião e sobretudo porque "esta" diz muito de quem a escreve.

Com os melhores cumprimentos